Voltar da feira ou do supermercado com uma boa variedade de legumes, verduras e frutas é algo cada vez mais difícil na realidade dos brasileiros hoje. Com a inflação fazendo os preços dispararem, tornou-se fundamental aproveitar ao máximo os alimentos e evitar desperdícios. Talos, cascas, folhas e sementes, por exemplo, são algumas partes que normalmente são jogadas fora, mas que poderiam ser aproveitadas para aumentar o aporte nutricional das refeições e, até mesmo, preparar sobremesas.
“O aproveitamento integral dos alimentos não é um conceito que deve ser aproveitado somente em momentos de alta dos preços. O não desperdício deve ser realizado no dia a dia por qualquer pessoa, em qualquer faixa de renda, porque traz excelentes nutrientes para o organismo. Muitas fibras, antioxidantes e micronutrientes estão presentes nessas partes de alimentos que são, geralmente, desprezadas. Esses nutrientes estão relacionados com a boa saúde metabólica, prevenindo diversas doenças, inclusive o câncer”, afirma a nutróloga Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
O Relatório do Índice de Desperdício Alimentar 2021 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) estima que 12,5 milhões de toneladas de alimentos sejam desperdiçados pelas famílias brasileiras anualmente. Dados globais do documento apontam que cerca de 17% do total de alimentos disponíveis aos consumidores foram para o lixo das residências, varejo, restaurantes e outros serviços alimentares em 2019. Já a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) calcula que 931 milhões de toneladas de comida vão parar no lixo todos os anos. Além do desperdício de alimentos, todos os recursos utilizados na produção alimentar, incluindo água, uso da terra, energia, trabalho humano e capital, também são jogados fora.
“Sempre tivemos muita fartura no Brasil por conta da nossa terra, que é muito fértil. Nunca passamos por uma grande experiência de privação de alimentos. Por isso, tendemos a comer o que é convencional e isso vai passando de geração em geração. Se você só vê a sua mãe cozinhando as flores dos brócolis, você não vai pensar em cozinhar aquela parte que é desprezada na feira”, explica a nutricionista Priscilla Primi, colunista do GLOBO e mestre pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
Além da questão cultural e do hábito, falta também informação sobre como consumir de forma integral os alimentos. As folhas, como de cenoura, brócolis e couve-flor, podem compor saladas. Os talos, que normalmente são jogados fora, podem ser aproveitados também. Por conterem fibras, eles podem ser ingeridos refogados ou colocados na sopa, no feijão e até em patês. Segundo Garcez, o espinafre quando cozido pode ser aproveitado em sua integralidade. Seus talos são tão nutritivos ou mais do que as folhas, por serem ricos em fibras, minerais, vitaminas e antioxidantes como os polifenóis.
As sementes de abóbora já são conhecidas como aperitivos quando assadas. Mas elas não são as únicas que podem ser consumidas. As sementes de mamão ajudam no trânsito intestinal, enquanto as de melão podem até serem transformadas em leite.
“Uvas sem sementes são consideradas transgênicas e apresentam menor teor de antioxidantes. Isso acontece porque a semente da uva conta com boas doses de resveratrol, um poderoso antioxidante, e substâncias protetoras como magnésio, zinco e cálcio. Além disso, elas são fontes de fibras, vitamina C e E, flavonoides e proantocianidinas, elemento responsável pelo combate dos radicais livres”, explica Garcez.
A casca do abacaxi é normalmente usada para fazer sucos, mas as cascas da banana, laranja e limão são ótimas para bolos, por exemplo. Já a casca de manga, que contém vitaminas A e C que melhoram a saúde da pele e fortalecem o sistema imunológico, pode ser o ingrediente principal de um creme ou mousse, se tornando uma opção de sobremesa gostosa e nutritiva.
Algo que costuma ir embora ralo abaixo é a água de cozimento de alguns alimentos, como batatas, beterraba e cenoura. No entanto, essa água é extremamente rica em vitaminas hidrossolúveis, que podem enriquecer purês e o arroz (durante sua preparação). Garcez destaca ainda que no caso dos tubérculos, como as batatas e a mandioca, a água do cozimento conta com amido resistente, um tipo de carboidrato altamente benéfico que resiste à ação das enzimas digestivas e aumenta a saciedade. Além disso, ele tem ação prebiótica, alimentando as bactérias do bem do nosso intestino.