Um dos livros mais interessantes do ano chama-se “So You’ve Been Publicly Shamed” (“Então Você Foi Humilhado em Público”, em tradução livre). Nele, o jornalista britânico Jon Ronson relata casos de pessoas que cometeram algum deslize nas redes sociais e pagaram caro por isto.
Há o caso da moça que perdeu o emprego por causa de uma piada que foi interpretada como racista. Tem também o do cara que contou uma gracinha machista para um amigo dentro de um ônibus e foi ouvido por outra passageira, que o fotografou e o expôs na internet. Ele foi execrado socialmente, e revidou: convocou seus amigos para golpearem virtualmente sua carrasca, que, por sua vez, também perdeu o trabalho e a reputação.
Em escala menor, quase todos nós lançamos mão deste mecanismo de vez em quando. Quem nunca se irritou com alguém no Facebook e depois soltou um post narrando o ocorrido, só para conseguir “likes” e comentários favoráveis para si mesmo?
Quando o passo em falso foi dado por alguém famoso, então, coitado dele. Abrem-se as portas do inferno, e o dito cujo começa a receber até ameaças anônimas, às vezes em seu e-mail pessoal.
A internet transformou o mundo numa aldeia global. Agora todos vigiam a vida de todos. E a nossa mentalidade também é de aldeia: gostamos de castigar os supostos culpados em praça pública, em pelourinhos virtuais, vibrando de sadismo enquanto nos escondemos no anonimato.
É o tal do “tribunal da internet”, capaz de destruir carreiras em poucos dias, por causa de uma frase tirada de contexto ou uma expressão inusitada pronunciada sob o efeito do álcool. Depois, o caso é rapidamente esquecido, porque a multidão sedenta de sangue volta suas atenções para outro lado. Mas a essa altura o estrago já foi feito.
Só que nem sempre essas convulsões coletivas são para o mal. O episódio de racismo envolvendo a repórter Maria Julia Coutinho, por exemplo, teve um final feliz, e graças à mobilização na internet. A moça do tempo do “Jornal Nacional” (TV Globo) foi xingada dos piores nomes na página do programa no Facebook no último dia 3. Pareceu um ataque coordenado: os comentários racistas apareceram todos ao mesmo tempo, mais de cinquenta deles, e vindos de perfis que já não estão mais no ar – provavelmente eram falsos.
Quem está por trás deles? A polícia já identificou suspeitos, e as teorias de conspiração não demoraram a surgir. Há quem diga que a própria Globo coordenou a ação, numa tentativa desesperada de alavancar a audiência do jornal. Ou o PT, sempre ele, disposto a ofuscar notícias negativas sobre o governo. Maluquices à parte, o que realmente interessa aqui foi a reação vigorosa de milhões de internautas.
Maju foi defendida por muito, mas muito mais pessoas do que aquelas que a atacaram. A própria jornalista agradeceu o apoio maciço no telejornal daquela noite. No final das contas, foi um momento bonito para a internet e a TV brasileira, que repudiaram com veemência o racismo. Depois da avalanche de pedradas que presenciamos nos últimos dias, foi legal ver tanta gente se unindo por uma causa indiscutivelmente boa. (Folhapress)