Em meio às novas medidas implementadas na China, a morte do médico que tinha tentado alertar sobre o surgimento do novo coronavírus virou estopim de uma reação forte contra o governo chinês.
A morte do médico Li Wenliang – apontado como um dos primeiros a identificar a existência do surto do novo coronavírus, alertar as autoridades, e ser convocado pela polícia pela atitude – provocou uma onda de revolta na população. A reação negativa após a morte do médico levou as autoridades do país a anunciarem a abertura de uma investigação.
Em frente ao hospital onde Li Wenliang morreu, em Wuhan, uma homenagem ao médico. Em Hong Kong, uma região administrativa semi-independente da China, um grupo também prestou homenagens e protestou.
“Estamos tristes porque ele foi o primeiro a informar sobre o novo vírus. Tentou dizer a verdade e foi repreendido. Depois disso, toda a informação foi abafada”, disse um ativista.
Uma mulher acredita que a doença se espalhou mais rápido porque as informações do médico não foram divulgadas cedo.
“Esta é a diferença entre uma sociedade com democracia e uma sem”, disse um homem.
No dia 31 de dezembro, o doutor Li compartilhou num grupo de mensagens com os colegas do trabalho um alerta sobre um vírus até então não identificado, altamente contagioso. As autoridades acusaram o médico de espalhar rumores e o obrigaram a assinar um documento em que ele reconhecia que havia cometido uma ilegalidade.
O doutor Li teve os primeiros sintomas, febre e tosse, no início de janeiro. Foi alguns dias depois de atender a uma paciente que, mais tarde, foi internada com o vírus até então misterioso. No dia 12, ele foi internado. Mas só no dia 1º de fevereiro saiu o diagnóstico do novo coronavírus e ele entrou em quarentena.
Na quinta-feira (6), a imprensa estatal da China informou que o doutor Li teve uma parada cardíaca por volta de 21h30, 8h30 no Brasil. Mas o Hospital Central de Wuhan só confirmou a morte quase seis horas depois.
Li Wenliang, de 34 anos, trabalhava como oftalmologista no mesmo hospital. Tinha um filho pequeno e a mulher dele está grávida.
O jornal “The New York Times” publicou nesta sexta-feira (7) trechos de uma entrevista que fez com ele, há uma semana, quando ainda estava internado.
O médico afirmou: “Se o governo tivesse divulgado as informações sobre a epidemia antes, acho que teria sido muito melhor. Era necessário mais abertura e transparência. Eu me senti injustiçado, mas tive que aceitar”, ele disse, sobre a censura que sofreu.
“O que você planeja fazer quando se recuperar?”, perguntou a repórter.
“Vou me juntar aos médicos que estão combatendo a epidemia. É a minha responsabilidade”, respondeu.
A morte de um médico jovem que, ao que tudo indica, não tinha problemas de saúde e recebeu o tratamento adequado também provocou preocupações sobre a letalidade do novo coronavírus.
A Anistia Internacional chamou a morte do médico de um trágico alerta sobre como a preocupação com a estabilidade fez a China suprimir informações vitais.
No principal site de buscas da China, as frases “O governo de Wuhan deve desculpas ao doutor Li Wenliang” e “Queremos liberdade de expressão” desapareceram depois de ficarem horas na lista das mais procuradas.
Nas redes sociais, cresce o número de mensagens de protesto. Uma delas mostra um grupo apitando em frente ao hospital onde o médico morreu, em Wuhan. Uma outra pede uma estátua para o falecido médico Li Wenliang.
Diante da repercussão, o governo chinês expressou condolências e agradeceu a contribuição do médico na linha de frente do combate à epidemia.
As autoridades prometeram que o principal órgão anticorrupção chinês vai investigar as condições da morte de Li Wenliang.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) disse em nota que o número relativamente baixo de casos de vírus detectados fora da China é resultado dos esforços intensivos do governo chinês para conter a emergência e proteger outros países.
O governo americano anunciou nesta sexta-feira a liberação de US$ 100 milhões para a China e outros países afetados pela epidemia. O presidente Donald Trump falou por telefone com presidente chinês. Xi Jinping disse que a China está agindo de maneira aberta, transparente e responsável, mas a morte do médico Li Wenliang desencadeou fortes reações de dúvida sobre a transparência chinesa.
O virologista Vincent Racaniello, da universidade Columbia, afirma que, em relação à epidemia de Sars, outro coronavírus há 17 anos, a China está mesmo agindo melhor, mas afirma que ainda não é o ideal.
“O problema de um regime autoritário é que quer controlar tudo. Sabemos que a informação tem que circular livremente”, disse ele.