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Cientistas alertam sobre evidências “avassaladoras” de transmissão de coronavírus por via aérea

Grupo de pesquisadores exorta as autoridades a “transferir as atividades para áreas externas e melhorar a ventilação de interiores”. (Foto: Marcello Casal Jr./ABr)

Enquanto os cientistas alertam que o risco de pegar covid-19 em ambientes fechados pode ser quase vinte vezes maior do que ao ar livre, as autoridades continuam a reduzir a capacidade de instalações fechadas e ambientes externos na mesma proporção, como se o perigo fosse o mesmo.

Fecham parques, abrem bares.

Esses exemplos servem para ilustrar o impacto de uma carta recém-publicada pela revista Science, na qual um grupo de cientistas e médicos explica a importância de serem tomadas medidas para combater os contágios transmitidos por via aérea. Ou seja, ajustar as máscaras e melhorar a ventilação para evitar que alguém respire e se infecte com as partículas contagiosas que se acumulam suspensas quando o ar não está fluindo. Além disso, e quase ao mesmo tempo, os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos EUA, atualizaram suas diretrizes para finalmente reconhecer o papel que o contágio pelo ar desempenha. No Brasil, 147.494 pessoas morreram e um total de 4.969.141 foram confirmadas com a covid-19, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados nessa terça-feira (6).

“Há evidências esmagadoras de que a inalação de SARS-CoV-2 representa uma importante via de transmissão para a covid-19”, escrevem os autores da carta, liderados por Kimberly Prather, da Universidade da Califórnia, em San Diego. Conforme explicado no artigo, as pessoas com covid, e também aquelas que não apresentam sintomas, liberam milhares de aerossóis carregados de vírus, e também algumas gotículas ao respirar, tossir, falar ou cantar.

Por isso, além das conhecidas obrigações de distanciamento, higiene e uso de máscaras, as autoridades sanitárias acrescentem novas orientações especificamente voltadas para evitar o risco desses aerossóis. “Instamos as autoridades de saúde pública a adicionar instruções claras sobre a importância de transferir as atividades para o ar livre, melhorar o ar de interiores por meio da ventilação e filtração e melhorar a proteção para trabalhadores de alto risco”, concluem eles em seu texto.

Máscaras

“Esse vírus é liberado em aerossóis que permanecem flutuando no ar, viajam mais de dois metros e podem se acumular no ar da sala”, resume Prather em um e-mail. E alerta: “As máscaras devem ser usadas em ambientes internos sempre que houver outras pessoas presentes; os aerossóis não param a dois metros”.

A verdade é que muitas autoridades incluem em suas recomendações a ideia de ventilar interiores. Mas, como o motivo não é explicado, pouco se cumpre, critica o especialista em aerossóis José Luis Jiménez, da Universidade do Colorado. Praticamente todos os órgãos fazem o alerta, mas na maioria dos casos não com a ênfase que este grupo de cientistas reivindica.

Na maioria, as diretrizes oficiais assumem a existência de três vias de contágio, embora não com a mesma importância. As gotículas que um paciente expele e vão parar na boca, olhos ou nariz de outra pessoa (daí a necessidade de distâncias e máscaras), o contato dessas mucosas com alguma superfície contaminada (ou fômites, daí a higiene das mãos) e a inalação de aerossóis.

As evidências da existência desse modo de contágio pela respiração de partículas microscópicas aerotransportadas vêm crescendo em peso e em respaldo desde que, em fevereiro, alguns especialistas começaram a alertar para essa possibilidade. As evidências seguem em duas direções. De um lado, ao se localizar partículas contagiosas, com carga viral suficiente, flutuando no ar a quase cinco metros do doente. De outro, os numerosos casos de infecções em massa que se registam semana após semana e em que apenas os aerossóis podem explicar uma infecção tão massiva.

“Os casos de superpropagação só podem ser explicados por aerossóis: todos respiram o mesmo ar em uma sala fechada e com pouca ventilação”, diz Prather. E acrescenta: “O desafio com esse vírus é que muitas pessoas se movimentam já infectadas, sem saber que estão doentes; exalam aerossóis infecciosos simplesmente pela fala”. Del Val acredita que há menos evidências de surtos de transmissão por superfícies, ou por gotículas recebidas diretamente: “Admitir também a transmissão por aerossóis, sem esquecer que ambas as vias podem ser importantes no contágio, nos permite reagir a tempo e não atrasar a implementação de medidas que reduziriam os contágios em locais fechados”.

Mesmo assim, a Organização Mundial da Saúde (OMS) só reconheceu que essa via aérea poderia ter algum papel na pandemia depois que mais de 200 cientistas publicaram uma carta aberta exigindo que seus dados fossem levados em consideração. Mas só a admite como uma possibilidade, embora suas diretrizes incentivem a melhorar a ventilação dos espaços.

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