No seriado “The Last of Us”, a epidemia causada por um fungo leva caos e devastação à humanidade ao transformar suas vítimas em zumbis. O tal agente externo que é retratado na série, o Cordyceps, existe de verdade, mas ele não pode infectar os humanos. Dedica-se a outros parasitas, como insetos. A distância do Cordyceps, porém, não quer dizer que outros patógenos – nome que se dá aos organismos que podem causar doenças – como vírus, bactérias e até mesmo outros fungos deixem de provocar preocupação da comunidade científica, sendo motivo de vigilância constante. Claro, não há indicativos de que a sociedade esteja prestes a viver um apocalipse zumbi, mas há uma série de pequenos inimigos que desafiam a Humanidade e são acompanhados com atenção, comentam os especialistas.
“A realidade pode não ser como a da série, mas mesmo assim é complicada”, opina Fernando Spilki, pró-reitor de pesquisa, pós-graduação e extensão na Universidade Feevale e também coordenador do Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCT) de vigilância de vírus e saúde única. “A Covid-19, por exemplo, tinha características horríveis, sem par na história, mas há (outros agentes) com potencial para serem ainda piores. Basta a gente pegar um vírus da família Nipah.”
O Nipah, vírus do qual Spilki se refere, teve mortes recentes na Índia, onde houve um surto da doença – ainda sem tratamento conhecido – no ano passado. A letalidade desse tipo de vírus, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), varia entre altos 40% e 75%.
Não é preciso, porém, ir tão longe para conhecer vírus que inspiram preocupação e são acompanhados bem de perto pela comunidade científica. O sarampo, da mesma família do Nipah, é um vírus com alto potencial transmissivo – e precisa somente de um espaço onde a cobertura vacinal esteja abaixo do dos indicados 95% para se espalhar.
“Basta ficar uma temporada ou duas sem vacina que esse vírus, tão transmissível, volta a causar problemas novamente. Existem patógenos que seriam um pesadelo ainda maior que a Covid-19 considerando sua transmissibilidade”, completa Spilki.
É por essa capacidade de transmissão – que pode acontecer até mesmo pelo ar, como ocorre com o sarampo – que a infectologista Mirian Dal Ben do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, acredita que os vírus podem ser os agentes mais preocupantes quando falamos em surtos e epidemias de descontrole.
“Do ponto de vista infeccioso, os agentes que são transmitidos por via respiratória têm potencial maior de causar epidemias de difícil controle. Aqueles que são transmitidos por aerossol, que são partículas pequenininhas que ficam suspensas no ar por até 3 horas, têm um potencial de transmissão ainda maior”, afirma a médica. “Há diversas preocupações, mas em geral há especial atenção aos vírus que desenvolvem a capacidade de se transmitir de humano para humano.”
Bactérias
As bactérias – causadoras de epidemias absolutamente severas no passado, caso da peste bubônica na Europa dos anos 1300 – tinham como estopim para a disseminação de casos a pouca estrutura sanitária das cidades à época. A descoberta dos antibióticos, no já recente século XX também fez com que a luta contra as bactérias passasse a contar com um importante trunfo em prol da Humanidade. Essas inovações, porém, também deflagraram novos desafios que os médicos veem se agigantar a cada ano.
Com o uso de antibióticos, aparecem as bactérias resistentes a esses medicamentos, por meio de mutações – o que inspira muita preocupação sobre o tratamento de doenças futuras. Para se ter uma ideia do risco, um estudo recente publicado na revista científica The Lancet apontou que 39 milhões de pessoas podem morrer nos próximos anos por conta de resistência a esses medicamentos nos próximos 25 anos.
No páreo entre vírus e bactérias não há consenso de quem pode eventualmente causar mais problemas no futuro, pelo que dá para notar na avaliação dos especialistas.
O infectologista do Hospital Albert Einstein, Moacyr Silva Junior, por exemplo, acredita que as bactérias inspiram preocupação semelhante aos vírus. E não estão em patamar inferior.
“Nesse momento, enquanto conversamos, as bactérias estão matando pessoas em todo o mundo. Há locais em diversas partes do mundo com superpopulações, baixa vacinação (de algumas doenças) e pouco saneamento. Isso forma um ambiente propício para as bactérias super-resistentes”, avalia Moacyr.
E os fungos?
Embora não se tenha conhecimento de uma grande epidemia causada por fungos (o HIV, a tuberculose, a cólera, a Covid, a gripe e a dengue são todos causados por vírus e bactérias), não quer dizer que esse tipo de agente seja inócuo à sociedade. A Candida auris, por exemplo, é um tipo de fungo que tem se notabilizado por gerar surtos com taxa de até 90% e por figurar como uma ameaça à saúde pública. Alguns especialistas, porém, explicam que os fungos acabam tornando-se um problema maior para pacientes previamente debilitados. Ou seja, são um problema, mas ainda não no “páreo” para vírus e bactérias.
“Muitas infecções causadas por fungos são oportunistas, ou seja, a infecção ocorre principalmente quando as pessoas estão com baixa imunidade. Neste caso, o sistema imune, que é o sistema de defesa do organismo, não consegue combater o agente invasor, no caso o fungo, e a infecção acaba se instalando”, explica Ana Olívia de Souza, pesquisadora científica do laboratório de desenvolvimento e Inovação do Butantan. “Embora algumas espécies de fungos sejam patogênicas para humanos, a probabilidade de ocorrer uma epidemia ou pandemia causada por fungos é muito baixa.” As informações são do jornal O Globo.