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Como se explica o senso comum? Por que as pessoas preferem o “facinho”?

Uma misteriosa agência de marketing ofereceu secretamente pagar influenciadores de redes sociais para que espalhassem desinformação sobre as vacinas de covid. (Foto: Reprodução)

No cotidiano – mas não só – constatamos um conjunto de frases “lugar-comum”, memes, jargões etc., quase sempre afirmações destituídas de verossimilhança ou autenticidade.

O mais comum é o uso de estereótipo. Algo como “os baianos são folgados”. Quais baianos? Os operários ou os folgados ricos que sonegam tributos? O baiano (e você pode substituir “baiano” por carioca, nordestino – o estereótipo preferido -, etc.,) que pega três ônibus é o mesmo cantado nos sambas e quejandos?

Pronto. Eis o senso comum. Eis o estereótipo: um raciocínio feito no varejo e transportando para o atacado. Eu conheço um caso que…logo, generalizo.

Outro estereótipo: os argentinos são (e segue “características”). Bobagens. Senso comum. E sobre “o brasileiro”? Sempre aparece um “çábio” que diz: o país vai mal por causa “de que o brasileiro é…”. E assim a nave vai. Sabem por que as pessoas acreditam em fake news? Porque acham que basta a observação. “Qualquer um sabe que…”. Aquecimento global? Vacina? Tudo mentira…

O sujeito que vive no e do senso comum acha que o mundo é espelhado. O mundo é como ele o vê. No futebol é a mesma coisa. Análises sobre o dia-a-dia da modalidade, das equipes e dos atletas fazem parte do cotidiano de qualquer torcedor ou aficionado por esportes. O que o analista invoca, na maioria dos casos? Sua experiencia.

O analista acha que basta a empiria. Assim como o cara que “analisa” o “comportamento humano”. Gosto dos analistas da Globo News. São “práticos”. Praticam dentro do parlamento. Logo, transformam-se em experts… Como se tudo fosse “observação”.

Esse “empirismo” acaba sendo um problema, porque acaba se transformando em uma espécie de realismo ingênuo. É o cara quem diz: “- na prática a teoria é outra”. Como se fosse possível separar teoria e pratica.

A tal “prática” invocada é o externo, o empírico que daria a firmeza na argumentação do “analista”. Bom, “analistas” são todos. Dão palpites. É o que um filósofo como Alasdair MacIntyre, no livro After Virtue (Depois da Virtude) chama de “emotivismo”, o opinionismo que tomou conta do mundo, logo após a tomada do poder pelo “Partido do Know Nothing”, o Saber Nenhum.

Eis o perigo do empirismo à meia boca. A realidade não é espelhada. A filosofia tampouco é o espelho da natureza. Por isso precisamos dos cientistas. Precisamos daquilo que, na modernidade, passou a se chamar de “epistemologia”. Afinal, por que e como compreendemos algo?

As coisas vêm assim, direto, secas, para a nossa mente? Vejo um habitante de um lugar e vi todos? Posso fazer raciocínios de atacado a partir de minha visão varejista? O conhecimento que temos é fruto da mera observação? É fruto de nossas intuições? Se lermos jornais, vermos TV e ouvirmos rádio, parece que o mundo é espelhado. Tudo é observação.

Assim, por exemplo, questionar o trabalho de profissionais em diversas áreas sem base teórica para sustentar a discussão é temerário. Não é a simples observação que resolve.

Darci Ribeiro dizia, em seu livro Tratado de Obviedades: Deus é tão treteiro, faz as coisas tão recônditas e sofisticadas, que ainda precisamos dessa classe de gente, os cientistas e intelectuais, para desvelar as obviedades do óbvio.

O “óbvio” é ladino. Esconde-se. De um é não se pode derivar um “deve”, o que seria a violação da Lei de Hume, aliás, um empirista da cepa. Mas ele não achava que era possível dizer o mundo por meio de estereótipos e senso comum.

Significa que burrice e ignorância tem direta relação com o senso comum? Significa.

 

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