A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei vindo do Senado que define – e pune – casos do crime de abuso de autoridade. Pela nova lei, este tipo de crime acontece quando um servidor público faz mal uso de seu poder para prejudicar ou beneficiar alguém.
Se esta lei já existisse no Brasil desde 2014, quando começaram as apurações da Lava-Jato, ela daria margem para que policiais, procuradores e juízes envolvidos nas investigações fossem atacados e eventualmente punidos em pelo menos quatro ocasiões. Conheça abaixo quatro situações nas quais isto poderia ter acontecido:
O áudio do ‘Bessias’ e as gravações da JBS
No dia 16 março de 2016, o então juiz federal Sérgio Moro, responsável por julgar os casos da Lava-Jato na 1ª Instância da Justiça, tornou pública a gravação de uma conversa telefônica entre o ex-presidente Lula (PT) e a então presidente da República Dilma Rousseff, do mesmo partido.
No diálogo, Dilma diz a Lula que o advogado Jorge Messias, então assessor palaciano, levará a ele um documento para que Lula pudesse tomar posse como ministro-chefe da Casa Civil. Para os investigadores, tratava-se de uma manobra para dar a Lula foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal, retardando as investigações contra ele – o que Dilma e Lula sempre negaram.
Se já existisse a Lei do abuso de autoridade, Moro poderia ser enquadrado no artigo 28.
Este artigo determina pena de um a quatro anos de prisão e multa para quem “divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado”.
O mesmo artigo poderia ser usado no caso da delação dos executivos Wesley e Joesley Batista, donos do frigorífico JBS.
No primeiro semestre de 2017, milhares de arquivos relativos à delação, que estava no Supremo Tribunal Federal, se tornaram públicos por decisão do relator do caso, o ministro Edson Fachin – inclusive conversas que nada tinham a ver com as investigações.
As algemas e correntes de Sérgio Cabral
Em janeiro de 2018, o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral (MDB), foi transferido de um presídio no Rio de Janeiro para uma ala do Complexo Médico Penal de Pinhais, no Paraná.
Ao desembarcar em Curitiba (PR), Cabral estava com algemas nas mãos, uma corrente nos pés e uma espécie de cinta no abdômen. Ele também estava acompanhado de uma equipe de pelo menos cinco policiais federais fortemente armados.
O projeto de lei de abuso de autoridade traz um artigo – o de número 17 – que poderia se aplicar ao caso. Ele prevê detenção de seis meses a dois anos para quem submeter os presos “ao uso de algemas ou qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento (…) quando manifestamente não houver resistência à prisão, internação ou apreensão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso”.
A gravação dos advogados de Lula
A nova lei de abuso de autoridade também altera um dispositivo do Estatuto da Advocacia, e torna crime o ato de violar o escritório ou local de trabalho do advogado, “bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.
Entre fevereiro e março de 2016, o ex-juiz Sérgio Moro autorizou que os investigadores da Lava-Jato interceptassem os telefones do escritório do advogado Cristiano Zanin, que defende o ex-presidente Lula. E, segundo a defesa do petista, a força-tarefa teria produzido relatórios que detalharam ao menos 14 horas conversas gravadas dos defensores do ex-presidente.
Se for sancionada da forma como está, o projeto de lei do abuso de autoridade também torna crime prender advogados de forma preventiva ou temporária fora de uma cela de Estado-Maior. E, se esta não estiver disponível, o advogado deve ficar em prisão domiciliar.
A ‘guerra de liminares’ pela soltura de Lula
Na manhã do dia 8 de julho de 2018, o desembargador federal Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, aceitou um pedido de habeas corpus da defesa do ex-presidente Lula, e mandou soltá-lo.
Em seguida, Moro – que à época ainda era juiz federal – despachou no processo alegando que não tinha poderes para cumprir a decisão de soltar o petista. Ele estava de férias no momento.
Se a lei do abuso de autoridade já estivesse em vigor na época, Moro e os policiais responsáveis pela custódia de Lula na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba poderiam ser enquadrados no inciso IV do artigo 12.
Segundo este trecho da lei, comete crime quem “prolonga a execução da pena (…), deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido”.