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COP30: Belém é a capital brasileira com mais dias de calor extremo do País: “Não tem como dormir”

Belém foi a capital brasileira com mais dias de eventos de "extremos de calor" no ano passado. (Foto: Reprodução)

O sol a pino do meio-dia de Belém (PA) acompanhava todos dias o caminho da mãe de João Victor da Silva, Lene. Da ilha de Caratateua, onde morava, até o centro da cidade, onde trabalhava numa farmácia, eram quase duas horas de raios de sol e calor. Lene sentia literalmente na pele.

Primeiro, apareceu um sinal, mas ela não teve tempo de cuidar. Depois, o sinal começou a sangrar e foi preciso fazer um exame. O resultado mostraria ser um câncer de pele, já espalhado pelo corpo da paraense.

João, hoje um adolescente de 16 anos, não lembra nem da voz da mãe, mas conta a história dela para explicar como ele virou “João do Clima”, e uma presença garantida em eventos que discutem as mudanças climáticas em Belém, inclusive a COP30, que se encerra nesta semana.

“Eu digo que ela faleceu diante das desigualdades sociais e das mudanças climáticas”, conta João.

“Para mim, o câncer de pele dela está relacionado a algo maior.”

Em Belém, a chamada “desigualdade climática”, que é como o clima afeta diferentes grupos sociais de maneiras distintas, pode ser sentida a uma esquina de distância.

A cidade, no meio da floresta, é a sexta capital do Brasil com mais pessoas vivendo em ruas sem uma única árvore, segundo dados do Censo de 2022 do IBGE.

É uma afirmação que pode soar absurda para quem circula nas áreas centrais e ricas da capital paraense, com seus túneis de mangueiras e de calçadas sombreadas.

No bairro do Jurunas, vizinho a regiões extremamente arborizadas de Belém, Ronald Monteiro, de 15 anos, conta que o calor a partir das 11h30 vem chegando como “uma máquina de bater açaí”.

“É rápido, meio que fica girando, girando, na gente.”

Quando chega da escola, no fim da manhã, Ronald costuma ajudar o pai no negócio de extração da polpa de açaí, alimento básico dos almoços paraenses, numa rua sem árvores.

Depois, ele sobe para o quarto e tenta descansar para as atividades da tarde e noite, como futebol, igreja ou ajudar o tio no mercado do bairro. Mas isso não tem sido possível.

“É um calor insuportável, não tem como dormir, não tem como descansar, a gente perde o sono da tarde. O calor te degrada muito”, conta Ronald.

A sensação dele é mostrada nos números.

Dados do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) apontam que Belém foi a capital brasileira com mais dias de eventos de “extremos de calor” no ano passado: 212 dias.

A expressão indica o número de dias no ano em que a cidade teve uma temperatura máxima acima da máxima registrada nos anos anteriores. A capital chegou a registrar 37,3°C. A única cidade com mais eventos extremos que Belém foi Melgaço, na ilha do Marajó, também no Pará.

Um levantamento compartilhado com a BBC News Brasil pelo professor Everaldo de Souza, do Laboratório de Modelagem de Tempo e Clima da Universidade Federal do Pará (UFPA), com base em dados no Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), também traz um sinal vermelho para a cidade.

A capital do Pará já teve nesta década, até o ano passado, 164 dias que registraram uma temperatura máxima acima dos 35,5ºC, o que o professor classifica como um evento de calor extremo. Isso quer dizer que, em quatro anos, Belém teve mais dias de calor extremo do que as últimas seis décadas anteriores somadas.

“A gente sabe que Belém é quente, mas está muito mais quente”, diz Souza.

“A Amazônia é um bioma que tem sido modificado, transformando, e isso é um problema (para Belém), porque uma floresta intacta mantém o equilíbrio, o conforto”, completa o professor.

Belém viu a cobertura vegetal em seu território cair drasticamente, segundo o estudo da UFPA. Entre 1985 e 2023, a perda de área de floresta foi de aproximadamente 20%.

“Se você altera isso, o primeiro efeito é na temperatura”, avalia o professor.

“E numa cidade que tem muitas atividades à tarde, é preciso cautela, especialmente para mais jovens e mais velhos.” As informações são da BBC News.

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