Ícone do site Jornal O Sul

COP30: países mais vulneráveis temem o próprio fim com aquecimento acima de 1,5°C

Um número é martelado há anos nas negociações climáticas: 1,5°C. (Foto: Reprodução)

Um número é martelado há anos nas negociações climáticas: 1,5°C. Ele representa a meta limite de aquecimento global mais ambiciosa do Acordo de Paris. Agora, pela primeira vez, as conversas na COP, a conferência climática das Nações Unidas, que neste ano acontecem em Belém (PA), tratam como certo que a média de 1,5°C de aumento na temperatura será ultrapassada. O que pode parecer apenas uma questão burocrática representa uma versão do fim do mundo para os países mais vulneráveis, que correm o risco de desaparecer.

“Para nós isso não é apenas sobre números ou negociação. É sobre a sobrevivência da população”, afirma o nepalês Manjeet Dhakal, negociador do grupo dos Países Menos Desenvolvidos na COP30. Com 46 nações, o bloco reúne alguns dos países mais pobres do mundo.

O Acordo de Paris, firmado em 2015, diz que os países precisam se esforçar para, até o ano 2100, conter o aquecimento global em 1,5°C ou, no máximo, 2°C acima do patamar anterior à Revolução Industrial (1850-1900).

Dhakal explica que ultrapassar esse limite de forma consistente terá um impacto extremo na vida de comunidades montanhosas. “Se nós alcançarmos 1,5°C no longo prazo, no nível global, os Himalaias perderão um terceiro do gelo. Se a média de temperatura for a 2°C, perderemos dois terços do gelo.”

O Nepal e outras nações da região dependem das geleiras para abastecimento de água, irrigação, turismo e energia. Assim, explica ele, o derretimento do gelo implicaria em redistribuir os já escassos recursos.

“Há países que acreditam que podem suportar esse patamar de aquecimento por causa do status econômico que eles têm”, diz Dhakal, ressaltando que as consequências chegarão para todos. “Um mundo mais quente significa mais necessidade de adaptação, e a adaptação tem limites. Temperaturas mais altas também requerem mais financiamento climático, com o qual a comunidade internacional vai ter que arcar.”

Alguns dos mais vulneráveis à mudança climática são os pequenos países insulares, que correm o risco de ter a maior parte de seu território submersa pelo aumento do nível do mar.

A ameaça do desaparecimento é especialmente grave para Maldivas, Tuvalu, Ilhas Marshall, Nauru e Kiribati – que são compostos por ilhas planas, situadas a cerca de dois metros acima do nível do mar.

“Nesses países os aquíferos serão poluídos pela água salgada e suas terras agrícolas se tornarão impróprias para o cultivo. Vilarejos costeiros serão inundados. A situação é extremamente séria”, afirma Ilana Seid, que chefia o bloco de negociação Aosis (sigla em inglês para Aliança dos Pequenos Estados Insulares). “Não queremos um planeta no qual a gente apenas sobreviva. Queremos um planeta onde todo mundo prospere.”

A Aosis costuma liderar os pedidos de maiores compromissos climáticos e uma rápida transição energética, abrindo mão dos combustíveis fósseis. A queima de petróleo, carvão e gás é responsável por mais de três quartos das emissões de carbono que aquecem o planeta.

Nascida em Palau, um arquipélago paradisíaco situado no oceano Pacífico, Seid conta que, além de um debate geopolítico, o aumento da temperatura a preocupa em um nível pessoal. “Cresci com o privilégio de desfrutar de um ecossistema marinho belíssimo. É algo que prezo muito. E minha preocupação é que meus três filhos e netos não possam ter essas experiências.”

Os ecossistemas marinhos são alguns dos elos mais frágeis quando o assunto é o aumento das temperaturas. Oceanos quentes demais por um tempo muito prolongado levam ao branqueamento dos corais, fenômeno que pode levar à morte de recifes inteiros – o que, por sua vez, tem efeitos em toda a biodiversidade marinha. Eventos de branqueamento em massa têm se tornado mais comuns, e o último deles, ocorrido em 2023 e 2024, foi o mais grave já registrado.

Em termos de biodiversidade, os recifes de coral podem ser comparados às florestas tropicais: apesar de ocuparem só 1% da superfície da Terra, esses ecossistemas abrigam um quarto de toda a vida marinha.

Atualmente, o aquecimento acumulado do planeta está cerca de 1,3°C acima dos níveis pré-industriais. Pesquisadores apontam que, ultrapassando o limite de 1,5°C, há um risco elevado de até 70% dos corais do mundo todo morrerem – índice que chega a mais de 90% no cenário de 2°C de aquecimento. Esse é considerado o primeiro dos pontos de não retorno da Terra.

Outros desses pontos são o derretimento das calotas polares e geleiras e o colapso de correntes marinhas essenciais para a manutenção da temperatura e da cadeia de nutrientes do oceano. Os três podem ser atingidos com um aumento de 3°C na temperatura terrestre – estima-se que, com os níveis atuais de emissões, o mundo esteja caminhando para um crescimento de 2,4°C a 2,6°C.

Ultrapassar temporariamente o limite de 1,5ºC – o que é conhecido como “overshoot” – não significa uma situação irreversível. Estudos mostram que, com cortes drásticos de emissões de gases de efeito estufa, é possível resfriar o planeta novamente. O problema é que quanto mais quente, mais difícil fica reverter a situação. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.

Sair da versão mobile