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Descobertas

Um dia você lê um livro e nunca mais verá o mundo do mesmo jeito. (Foto: Reprodução)

Pode ser uma descoberta lenta, tortuosa, que vai e que volta. Pode ser um único olhar, um impulso irresistível. Pode vir cedo ou tardar. Você pode sentir antes o ar rarefeito, um presságio que oprime e liberta, um calafrio. Ou virá sem sinal ou aviso, do nada, à primeira vista, e você será tomado da vertigem perturbadora. De nada adianta resistir: você está enredado nos mistérios do amor.

Os sons, os acordes, a melodia – eles estavam ali desde o começo, no doce acalanto das mães amorosas. Mas um dia você tem um choque: você ouve a voz metálica de Milton. A canção fala de um beco, uma canção diamantina, vinda dos confins de Minas e do coração do Brasil. Você ouve Elis. A voz vem das entranhas, afinada, pronúncia limpa, timbre perfeito – a canção e as lágrimas se misturam, alma devorada de desamor e abandono. A música agora é parte indissociável de sua vida. Gil, Edu, Chico, Caetano, e o maior de todos, Tom: você mergulhou fundo e do fundo não quer voltar. A vida mudou para sempre em meio aos sons de todos os tempos, de todas as dores e de todos os amores.

Um dia você lê um livro e nunca mais verá o mundo do mesmo jeito. Você não vê a hora de retomar a leitura. Os olhos dançam, o coração acelera, às vezes tudo é tão intenso que a boca fica seca. Os caracteres, as palavras certeiras, a vírgula e o ponto, você sempre quererá mais, gulosamente, do indizível prazer. Você compreende Drummond: “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. E Fernando Pessoa não terá dito a mesma coisa?: “Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”. A súplica piedosa de Emanuel M. Vieira: “Madona do desassossego, conceda-me o bálsamo do olvido, passagem silenciosa, travessia sem medo”.

No dia frio do final de outono você, sem fôlego, se depara com ela.  As ruas recendem a maresia que vem do Mar Adriático. Detrás do cortinado olhos curiosos observam a passagem do vaporeto no Canal Grande. Logo você saberá a razão de tantos clics:  é a cidade mais fotogênica do mundo. Veneza, romântica, misteriosa e insondável, onde a graça não é encontrar o caminho, mas se perder nas vielas e “fundamentas”, canais, atalhos, pontes e becos sem saída. Você não irá morar em Veneza – o que é uma pena. Mas ela grudará na sua pele, entrará nos seus poros, circulará nas suas veias e artérias, e na alegria e na aflição, ela não sairá da lembrança: Veneza irá morar em você para sempre.

No tempo de Natal, que ninguém proponha nem permita rolar temas candentes. Não é hora de lamentar os pecados do mundo. Filosofia? Só de almanaque, ou de botequim. Que tudo se dirija para o abraço caloroso, a boa bebida, o prato saboroso, a incondicional alegria, a convivência fraterna.

É tempo, mais do que nunca, de ler o texto, ouvir a música, lembrar das cidades dos homens – os lugares que você percorreu com emoção.

É tempo de deixar-se levar pelo sentimento amoroso, pelas sensações sutis da descoberta, e de todas essas coisas que nos dão coragem e protegem do medo:  celebrar a vida, a chegada do Menino, a mensagem de amor e paz.

 

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