“Elas são de uma raça… são da favela”. A frase preconceituosa em referência a mulheres brasileiras repercutiu no fim de junho após ser dita por uma participante do “Big Brother Portugal”, um caso que expôs a discriminação e o preconceito explícitos sofridos por brasileiras que vivem fora do país.
Diante disso, um grupo de mulheres decidiu acabar com o silêncio e ter um espaço para expor o que escutam, sentem e vivenciam ao viver longe do Brasil. Elas criaram o perfil “Brasileiras não se calam”, que reúne dezenas de relatos de assédio sexual, xenofobia, preconceito e discriminação por serem brasileiras.
Em poucos dias, a página, presente no Instagram e no Facebook, ganhou mais de seis mil seguidores e recebeu 300 relatos. A maior parte dos seguidores são mulheres (93%), na faixa de 23 a 34 anos. O perfil, com 69 relatos publicados, é administrado por cinco mulheres, que se dividem entre ler as histórias que chegam, traduzi-las para o inglês, responder os comentários, escrever os textos e publicar.
“Sabíamos que os assédios contra as mulheres brasileiras são frequentes no exterior e que essa questão precisava urgentemente ser falada, mas não esperávamos que tivéssemos uma adesão tão rápida”, afirma o grupo que administra a página e que prefere manter o anonimato de suas integrantes.
Os relatos são fortes e mostram uma outra realidade da vida de brasileiras que deixaram o País para estudar ou trabalhar. As administradoras do perfil contam que os preconceitos e assédios sofridos são constantemente abafados e normalizados em outros países.
A maioria dos relatos publicados pelo perfil, sempre em português e em inglês, vêm de Portugal, mas também há situações vividas nos Estados Unidos, Austrália, Canadá, Dinamarca e Espanha. Todas as histórias são compartilhadas de forma anônima no perfil e mostram a visão estereotipada e objetificada que muitos estrangeiros têm das brasileiras.
Elas escutam que as mulheres do Brasil são “quentes” e “putas”, estão em busca de casamento e passaporte estrangeiro, e têm doenças tropicais. Os assédios relatados são somados à xenofobia. As brasileiras denunciam que já foram discriminadas na busca por empregos, em consultórios médicos e até mesmo vítimas de agressão física.
As administradoras do perfil “Brasileiras não se calam” dizem que, em meio às mensagens de ódio, também estão recebendo apoio de voluntárias. No futuro, elas esperam que o projeto atenda às necessidades destas mulheres.
1) Quando vocês decidiram criar a página “Brasileiras não se calam” nas redes sociais?
O caso que aconteceu com uma mulher brasileira no Big Brother de Portugal aumentou uma indignação que já existia. Decidimos, então, criar um espaço onde as mulheres brasileiras se sentissem seguras para falar sobre isso. Temos acolhido relatos de várias partes do mundo, o que mostra claramente que não estamos sozinhas nessas situações. Infelizmente, o assédio e a discriminação, especificamente contra a mulher brasileira, são frequentes no exterior.
2) Onde vocês localizam a origem desses assédios e casos de discriminação contra brasileiras?
Nós não temos como dizer especificamente qual a origem dos assédios contra as mulheres brasileiras. De qualquer forma, acreditamos que nada justifica esse comportamento e, por isso, também temos tentado promover o diálogo entre estrangeiros e brasileiros para que desconstruir essa visão negativa da mulher brasileira que muitas pessoas no exterior têm. É preciso que haja uma desconstrução dos dois lados. Não é certo generalizar, e muito menos discriminar as brasileiras, mas também não é correto afirmar que todos os estrangeiros são xenófobos. É mais eficiente unirmos forças.
3) Depois do caso do Big Brother Portugal, as brasileiras sentiram alguma abertura dos portugueses para debater esse assunto?
Temos percebido muita resistência por parte de alguns portugueses. Existem vídeos que mostram o que foi dito, e a própria participante se defendeu no programa, mas muitas pessoas ainda negam; dizem que isso já foi muito falado e criticado. Por outro lado, também temos recebido muitas mensagens de apoio e de incentivo de portugueses que conseguem enxergar a questão do assédio contra as mulheres brasileiras e dialogar sobre o assunto de forma respeitosa e empática.
4) Observam um padrão nos relatos que já receberam?
Infelizmente, sim. Em muitos deles, os abusadores presumem que todas as mulheres brasileiras são prostitutas, que estão sempre à procura de um homem estrangeiro para casar e assim conseguir um visto. Também objetificam e fetichizam os corpos “exóticos” das mulheres brasileiras e acham que podem tocá-los sem autorização. Há ainda relatos de mulheres que tiveram sua capacidade intelectual diminuída e que foram colocadas como um entretenimento para a diversão de alguns estrangeiros.
