Há datas que sobrevivem ao calendário porque carregam uma memória que não se deixa apagar pelo tempo. O próximo dia 13 de dezembro, data de nascimento do Almirante Joaquim Marques Lisboa, o Marquês de Tamandaré, Patrono da Marinha do Brasil, é uma dessas datas. Não é apenas uma homenagem a um homem, é um tributo à fibra de todos os que, ontem e hoje, vestem o uniforme naval e fazem do mar uma estrada e uma missão.
Tamandaré ingressou na Marinha ainda adolescente. Acompanhou o Brasil império adentro, enfrentou revoltas, tempestades, fome, pólvora, e sobreviveu a situações que transformariam qualquer um em lenda. Mas não foi a força bruta que o eternizou. Foi sua capacidade rara de liderança, coragem e serenidade, qualidades que se tornaram símbolo da alma marinheira.
É impossível falar dessa tradição sem lembrar a Batalha do Riachuelo (1865), na Guerra da Tríplice Aliança, talvez o maior momento de provação e grandeza da Marinha brasileira. Ali, no estreito curso do rio Paraná, não se decidiu apenas o destino de uma campanha militar. Decidiu-se o futuro do país.
O inimigo paraguaio, numeroso e estrategicamente posicionado, acreditava que a esquadra brasileira cairia como presa fácil. Mas Tamandaré e seus comandados sabiam que, na guerra, a surpresa é tão importante quanto o aço. O combate foi feroz. Os navios brasileiros sofreram danos graves; houve mortos, feridos, embarcações quase à deriva. Em meio ao caos, o então chefe da divisão naval, Almirante Barroso, imortalizou o grito que se tornou parte da própria identidade naval: “Sustentar o fogo que a vitória é nossa!”.
A vitória em Riachuelo mudou o curso da guerra. Impediu que o Paraguai isolasse o sul do Brasil, garantiu a continuidade das operações terrestres e consolidou nossa presença no Rio da Prata. Mais que isso: provou que a Marinha do Brasil não se limitava a defender fronteiras, defendia o próprio destino nacional.
Mas o heroísmo de ontem não esvazia a importância do serviço de hoje. A vida marinheira continua feita de desafios silenciosos, longe dos holofotes. Navegadores que passam semanas embarcados para proteger a Amazônia Azul; fuzileiros navais que atuam em missões humanitárias; equipes de salvamento que enfrentam mar revolto para socorrer desconhecidos; cientistas navais que estudam as correntes, o clima, as riquezas do oceano. Homens e mulheres que, no cotidiano, mantêm viva a vocação de Tamandaré: servir ao Brasil.
Em tempos de incerteza, geopolítica, ambiental, tecnológica, o trabalho da Marinha ganha novos contornos. Proteger o mar é proteger energia, comércio, biodiversidade, soberania. E talvez por isso o Dia do Marinheiro não seja apenas uma efeméride militar: é uma oportunidade de reconhecer a dimensão estratégica do oceano para a vida nacional.
Neste 13 de dezembro, lembrar Tamandaré é lembrar que coragem não é ausência de medo, mas compromisso com a missão. É celebrar aqueles que enfrentam ondas, distâncias e riscos para que o Brasil permaneça seguro. É agradecer, com a reverência que se deve aos gigantes, aos milhares de marinheiros e marinheiras que mantêm a tradição de honra do Patrono da Marinha.
Porque, como ouvi certa vez de um marinheiro, “Quando a Pátria estiver em perigo, todos devem lutar: os militares com as armas, os civis com o coração.”
*Amílcar Fagundes Freitas Macedo – Magistrado.
