Ícone do site Jornal O Sul

Duelo de Titãs

A história raramente presencia transições hegemônicas sem turbulências. O embate entre Estados Unidos e China é a disputa mais decisiva do século XXI, não uma guerra ideológica, mas uma guerra de estratégias nacionais. As tarifas de 100% prometidas por Donald Trump sobre produtos chineses, agora suspensas, são apenas a face visível de uma luta profunda pela hegemonia econômica e tecnológica global.

Um modelo que parece adequado para observar a atual disputa foi proposto pelo eminente professor de Harvard, Michael Porter. Para o autor do livro “A Vantagem Competitiva das Nações”, a prosperidade de uma nação depende de seu “diamante competitivo”, fatores produtivos, demanda interna, indústrias correlatas e rivalidade empresarial. O sucesso resulta da articulação inteligente entre Estado, empresas e sociedade.

Desde o pós-guerra, os EUA construíram o mais poderoso diamante do mundo: universidades de ponta, capital criativo, abundância de investimentos e uma rivalidade empresarial que impulsiona produtividade. A demanda sofisticada interna e a atuação estratégica do Estado, em defesa, tecnologia e sistema financeiro, consolidaram a liderança americana.

A China, aprendendo com o modelo americano, criou seu próprio diamante, de natureza estatal e coordenada. Investiu em educação técnica, infraestrutura, semicondutores e IA; estimulou uma demanda interna gigantesca e integrou cadeias de suprimentos. O Estado chinês atua como estrategista nacional, direcionando recursos e moldando setores prioritários, um “planejamento competitivo”.

Enquanto os EUA ainda dominam a inovação e o soft power, a China avança em eficiência industrial, logística e controle de minerais estratégicos. Ao restringir terras raras, Pequim demonstra ter compreendido o jogo da interdependência e usa-o como instrumento de poder.

Os EUA sofrem hoje os efeitos de sua própria globalização: ao transferirem sua base industrial para a Ásia, fortaleceram o protagonismo chinês. O discurso liberal revelou vulnerabilidades diante da dependência externa. A reação protecionista de Trump expressa força financeira, mas também insegurança frente à erosão industrial e aos déficits crescentes.

Na lógica porteriana, os EUA ainda detêm vantagem em pesquisa e capital intelectual, mas perdem espaço na rivalidade global. A China, fortalecida em fatores produtivos e apoio estatal, ainda carece de competição interna e de demanda sofisticada, limitações à inovação radical.

Há também o componente civilizacional. Os EUA encarnam o modelo liberal e democrático, em que o mercado é motor de progresso; a China oferece uma alternativa autoritária, baseada em disciplina e coordenação. O primeiro gera inovação pelo caos criativo; o segundo, eficiência pela ordem. A disputa é também um teste filosófico sobre qual sociedade é mais adaptável ao século XXI.

A incógnita é saber se o diamante chinês sustentará dinamismo sem liberdade política, ou se o modelo americano resistirá à fragmentação interna. No curto prazo, a China controla matérias-primas e cadeias produtivas; no longo, os EUA mantêm vantagem estratégica, com inovação disruptiva e poder financeiro ancorados em instituições flexíveis.

O maior risco é a erosão da interdependência global. O comércio, antes visto como instrumento de civilização, tornou-se arma geopolítica. Uma guerra econômica prolongada pode desorganizar cadeias de suprimentos, elevar custos e agravar tensões em regiões sensíveis como Taiwan. O mundo revive a lógica da Guerra Fria, agora em versão econômico-tecnológica, em que o inimigo é a dependência mútua.

O planeta está diante de uma encruzilhada: a coexistência entre o império americano e o poderio chinês exigirá um equilíbrio competitivo, uma “coopetição” que evite o colapso global. O mundo multipolar não comporta hegemonias solitárias, mas hegemonias interdependentes. Porter ensinou que vantagem competitiva nasce de escolhas coerentes. A questão é saber qual nação fará as escolhas certas. Os próximos anos dirão se essa disputa elevará a humanidade, ou reacenderá o velho roteiro das potências incapazes de dividir o mundo e, por isso, condenadas a incendiá-lo.

(Instagram: @edsonbundchen)

Sair da versão mobile