Ícone do site Jornal O Sul

Em um momento de “tempestade perfeita” para a economia do país, o brasileiro Carlos Ghosn, ex-presidente da Renault Nissan, chegou ao Líbano após fugir do Japão, onde é considerado foragido da Justiça

Carlos Ghosn: Só o custo da escapada para o Líbano foi de US$ 15 milhões. (Foto: Reprodução)

Circulando pelas ruas de Beirute em meio ao trânsito caótico e à chuva insistente que caiu sobre a capital do Líbano ao longo da semana, foi possível perceber pequenas aglomerações de pessoas em volta de caixas eletrônicos de bancos. É um sinal de uma crise financeira que já causou violência e protestos, levando o governo a construir muros de concreto e ampliar a vigilância ao redor de edifícios oficiais, como o do Parlamento.

Foi nesse momento de “tempestade perfeita” para a economia do país que Carlos Ghosn – o ex-presidente da aliança Renault-Nissan – chegou após fugir do Japão, onde é considerado foragido da Justiça. Os cidadãos libaneses enfrentam controles de capital que impedem os saques de seu saldo no banco. É o tipo de crise que põe uma economia em xeque – e faz lembrar os problemas de liquidez enfrentados pela Grécia em 2015.

Não é para menos que Ghosn, com sua fama de bom administrador, está sendo visto por alguns políticos libaneses como uma espécie de tábua de salvação para a crise administrativa do país, que sofre com falta de liquidez dos bancos para honrar os saques dos cidadãos.

O recém-formado gabinete de governo não é considerado estável. Hassan Diab assumiu o cargo de primeiro-ministro em 19 de dezembro, depois de seu antecessor ter ficado menos de dez meses no posto. O governo do presidente Michel Aoun enfrenta diversas acusações de corrupção.

Sem liquidez

O problema agora sentido no dia a dia da população reflete a “bola de neve” de uma economia que, desde o fim da guerra civil, entre 1975 e 1990, se baseia em empréstimos internacionais. Para atrair moeda forte, o governo libanês prometeu juros altos sobre depósitos em dólar. Na hora de pagá-los, vem tomando emprestado dos cidadãos. Diretamente de suas contas.

Oficialmente, o governo ainda mantém o câmbio estável em 1,5 mil libras libanesas para cada dólar. Esse é o valor pago em hotéis e aeroportos, por exemplo. Nas casas de câmbio, com a população atrás de dólares para se proteger da desvalorização extraoficial da moeda libanesa, a cotação chega a 2,4 mil libras para cada dólar – uma diferença de 60%.

Restrições e protestos

Os enormes protestos que tomaram conta das ruas libanesas, em setembro e outubro de 2019, estão relacionados às restrições ao capital, que hoje permitem que cada pessoa saque pouco mais de US$ 100 por semana. Entre a população de mais alta renda, cada retirada em dólar é motivo de comemoração. “Hoje, por sorte, consegui sacar US$ 500 das minhas contas”, disse um morador do bairro de Achrafieh, em Beirute, ao Estado.

“Em algum momento, essa injeção de capital (estrangeiro) tinha de acabar – e esse ponto veio no fim de 2019, depois de uma série de choques negativos”, explicou o economista libanês Ishac Diwan, em artigo publicado no site Project Sindicate, especializado em análises político-econômicas.

Um dos principais especialistas no Oriente Médio, Diwan é professor da École Normale Supérieure, de Paris. Segundo ele, quase sem indústrias e com importações anuais que equivalem a 400% do PIB, o Líbano vive hoje o que parece “a construção de uma grande depressão”. O país é uma das economias mais frágeis do Oriente Médio. Tem 6 milhões de habitantes, incluindo 1 milhão de refugiados sírios que chegaram nos últimos anos.

Ghosn no comando?

Desde que Ghosn desembarcou em Beirute no dia 30 de dezembro, fala-se na TV libanesa da possibilidade de o ex-titã da indústria automotiva ajudar a “dar um jeito” no país.

Na última semana, pelo Twitter, o líder do partido libanês PSP, Walid Jumblatt, sugeriu que Carlos Ghosn seja nomeado ministro de Energia do Líbano. “Eu proponho sua nomeação para substituir a atual gangue que causou um déficit massivo e rejeita qualquer ideia de reforma. Carlos Ghosn construiu um império – e nós bem que poderíamos nos beneficiar disso.”

O ex-presidente da aliança Renault-Nissan, disse na primeira entrevista que concedeu sobre o caso, que poderá auxiliar o governo do Líbano com sua experiência corporativa, mas sem assumir cargo oficial. “Não tenho nenhuma ambição política, mas, se for convidado a aplicar minha experiência de alguma forma, estou pronto.”

Sair da versão mobile