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Encontro Lula x Trump? Como reuniões com o presidente dos Estados Unidos podem virar “armadilha” para líderes estrangeiros

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá ter uma reunião com seu homólogo americano, Donald Trump, em breve. (Foto: Reprodução)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá ter uma reunião com seu homólogo americano, Donald Trump, em breve. A possibilidade, em meio à atual tensão entre Brasil e Estados Unidos, surgiu após os dois líderes trocarem um abraço e algumas palavras em um breve encontro nos bastidores da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, no último dia 23.

Ainda não há detalhes sobre a data nem o formato da conversa, que está sendo planejada pelas equipes diplomáticas. Acredita-se que possa ser um telefonema ou videoconferência, mas Lula não descarta um encontro presencial.

Espera-se que Lula viaje para Roma em 13 de outubro para participar de um evento da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e para Kuala Lumpur, na Malásia, no dia 25 como convidado para um encontro de líderes da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean).

Trump pode participar de um desses eventos — ou ambos, e pessoas ligadas ao governo brasileiro especularam que os dois presidentes poderiam se reunir na Itália ou na Malásia.

A ideia de uma reunião em Washington, porém, traz riscos, diante do histórico de Trump de transformar visitas à Casa Branca em um “espetáculo”, no qual líderes estrangeiros não raro são confrontados e humilhados publicamente.

Trump, que antes de chegar à Presidência foi apresentador do reality show O Aprendiz, costuma conduzir essas reuniões no Salão Oval diante das câmeras.

É comum que se desvie do tópico principal, muitas vezes com críticas e acusações inesperadas ao interlocutor. Em algumas ocasiões, fala em público sobre temas discutidos a portas fechadas.

A imprevisibilidade desses encontros, apelidados por funcionários e jornalistas que circulam pela Casa Branca de “O Show de Trump”, transformou o que sempre foi visto como uma oportunidade de se aproximar do líder da maior potência global em uma potencial armadilha.

“(Um encontro presencial entre Lula e Trump) seria altamente arriscado, dado o histórico de Trump de tentar humilhar alguns dos (líderes) que percebe como antagonistas”, diz à BBC News Brasil o historiador político Matthew Dallek, professor da Universidade George Washington.

“Como Trump é tão volátil, acho que podemos dizer, com algum grau de confiança, que qualquer líder estrangeiro que se encontre com ele em Washington terá de ter uma estratégia muito bem pensada sobre como bajulá-lo e cair nas suas graças”, afirma.

Segundo Dallek, um dos desafios para Lula seria o fato de o encontro ocorrer após meses de críticas de Trump — que impôs tarifas comerciais e sanções ao Brasil em resposta ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado ideológico do republicano.

“Em termos de interferência nos assuntos internos, Trump tem sido mais agressivo com o Brasil do que com a maioria dos outros países, especialmente em relação ao julgamento de Bolsonaro”, ressalta.

“E Lula tem sido muito defensor da soberania brasileira. Tem sido um dos líderes globais mais vigorosos em rebater Trump”, observa Dallek. “Tudo isso sugere que qualquer encontro (de Lula) com Trump seria muito tenso.”

Dois episódios recentes costumam ser citados como exemplo e lição para líderes globais que consideram se reunir pessoalmente com Trump.

Em fevereiro, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, foi acuado e acusado de ingratidão em uma reunião que também teve a participação do vice, J.D. Vance.

A conversa incluiu ameaças de que os Estados Unidos iriam cortar a ajuda a seu país, em meio à guerra contra forças invasoras da Rússia, e acabou em um bate-boca transmitido pela imprensa internacional, que estava presente.

Em maio, foi a vez do presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, ser constrangido em público durante uma visita posteriormente descrita pela imprensa como uma “emboscada”.

Talvez já cautelosos diante do fracasso da reunião com Zelensky, Ramaphosa e sua equipe pareciam ter chegado ao Salão Oval preparados. Para quebrar o gelo, a comitiva incluía até dois famosos golfistas sul-africanos, Retief Goosen e Ernie Els, já que o presidente americano é adepto do esporte.

Mas Ramaphosa foi surpreendido quando, após um início de conversa cordial, assessores da Casa Branca baixaram a luz e apresentaram um vídeo com imagens que, segundo alegações infundadas de Trump, mostravam suposta limpeza étnica e genocídio contra a população branca.

Trump acusou o governo sul-africano de confiscar terras de fazendeiros brancos, promulgar políticas discriminatórias contra brancos e adotar uma política externa antiamericana.

“Na época, Elon Musk ainda estava na Casa Branca e influenciava muito esse tipo de narrativa”, diz à BBC News Brasil o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador de Harvard Vitelio Brustolin.

Musk, que nasceu na África do Sul, era muito próximo de Trump nos meses iniciais de seu primeiro mandato e se referiu várias vezes à violência em seu país natal como “genocídio” contra a população branca.

“No caso do Brasil, há Eduardo Bolsonaro”, observa Brustolin. “Se você está procurando uma analogia, até nisso existe uma similaridade.”

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair Bolsonaro, mudou-se para os Estados Unidos neste ano.

As tarifas e sanções impostas pelo governo Trump contra o Brasil tiveram como pano de fundo suas articulações junto à Casa Branca para tentar pressionar pela absolvição do pai.

“Se Lula for à Casa Branca, o risco de uma situação similar à de Ramaphosa aumenta”, acredita Brustolin. “Não estou dizendo que isso vai acontecer, mas há um risco evidente.” As informações são da BBC News.

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