Quando Meghan, mulher do príncipe Harry, se referiu à família real britânica como a “firma” na sua dramática entrevista para Oprah Winfrey, ela trouxe à tona uma instituição que é tanto um negócio quanto uma fantasia. Agora é um negócio em crise, depois que o casal fez acusações de racismo e crueldade contra integrantes da família.
O Palácio de Buckingham respondeu em um comunicado que “toda a família está entristecida por saber como os últimos anos foram desafiadores para Harry e Meghan”. As alegações de racismo, disse o comunicado do palácio, eram “preocupantes” e “embora algumas memórias possam variar, elas são levadas bem a sério e serão tratadas pela família de maneira privada”.
A história de Harry e Meghan, certamente, é um drama pessoal traumático — de pais e filhos, irmãos e esposos, sofrendo por conta de desprezos, reais ou imaginários. Mas é também uma história de local de trabalho — a força de uma forasteira glamourosa e independente ingressando em uma empresa familiar estabelecida, confusa e, às vezes, instável.
O termo é frequentemente ligado ao príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth, que popularizou o seu uso. Porém é mais antigo, usado pelo pai da rainha, o rei George VI, que famosamente declarou: “Nós não somos uma família, nós somos uma firma”.
É um empreendimento que ultrapassa a família real propriamente dita, englobando um exército de secretários particulares, assessores de comunicação, damas de companhia, motoristas, trabalhadores domésticos, jardineiros e todas as pessoas que coordenam os palácios e a vida da realeza que mora neles.
Família ou instituição?
O Palácio de Buckingham sozinho tem mais de 400 empregados, que operam de tudo, de um vasto serviço de refeições para as dezenas de banquetes, festas nas jardins e jantares diplomáticos oferecidos pela rainha, até um aparato de relações públicas, com seus membros vindos direto dos mundos do jornalismo ou da política.
“É muito difícil estabelecer diferenças entre a família e o sistema”, afirmou Penny Junior, a historiadora real que escreveu “A firma: a vida conturbada da Casa de Windsor”.
Membros da família, como ela notou, utilizam secretários particulares para tarefas tão pessoais como convidar seus pais ou filhos para um jantar:
Ao explicarem as razões do seu rompimento com a realeza, Harry e Meghan, conhecidos como duque e duquesa de Sussex, frequentemente citam essa malha burocrática e não os seus parentes. Os membros da equipe de comunicação do palácio não defenderam Meghan de comentários hostis da imprensa, disse o casal. Assessores avisaram que a ex-atriz americana não deveria ir almoçar com amigos porque ela estava superexposta, mesmo que só tivesse saído do Palácio de Kensington duas vezes em quatro meses.
Harry descreveu uma espécie de Estado profundo real que permeia todos os aspectos da vida cotidiana e aprisiona até integrantes da família, como os príncipes Charles e William, que parecem estar à vontade com o confinamento.
‘Contrato invisível’
O poder da burocracia do palácio veio à tona dias antes da entrevista, quando o jornal The Times publicou que Meghan fez funcionários chorarem e removeu dois de seus empregos. Um porta-voz de Meghan considerou as alegações um “assassinato de caráter”.
As tensões explodiram não somente com a equipe do casal, mas também com os funcionários de outros membros da família real, tanto no Palácio de Buckingham, onde a equipe da rainha fica, quanto na Residência Clarence, casa do príncipe Charles.
As relações com a imprensa são o coração do conflito entre o casal e a família. Apesar de sua história pessoal ser complicada, Charles cultivou ao longo dos anos uma relação melhor com os tabloides britânicos do que Harry e Meghan, que cortaram relações e abriram ações judiciais contra diversos deles.
Harry, que culpa a incessante cobertura da imprensa pela morte de sua mãe, Diana, em um acidente de carro em Paris, em 1997, descreve um “contrato invisível” entre a família e os tabloides:
Ele afirmou que seu pai e outros membros da família têm medo de que os tabloides os denunciem. A sobrevivência da monarquia, disse o príncipe, depende de uma certa imagem diante do povo britânico que é propagada pelos veículos de massa. Como na Casa Branca, o palácio dá acesso a equipes rotativas de repórteres, que documentam as reuniões da rainha e outras cerimônias.
Historiadores confirmam que a relação entre a família real e os tabloides datam de antes dos anos 1920. A transação sempre foi mutuamente benéfica: a família real tinha exposição para suas atividades, o que ajudava a justificar o financiamento público e os gastos. Os tabloides tinham, por sua vez, desfiles de príncipes e princesas, duques e duquesas, para vender jornal.
Com a chegada do australiano Rupert Murdoch nos anos 1970, a cobertura da realeza pela imprensa se tornou mais intrusiva. O processo de Harry contra o Sun, jornal de Murdoch, alega que o telefone dele foi hackeado, enquanto Meghan ganhou recentemente um processo contra o The Mail on Sunday por ter publicado ilegalmente uma carta pessoal a qual ela havia enviado para seu pai, Thomas Markle, com quem tem uma relação distante e problemática.