A rotina de quem depende do transporte coletivo começa muito antes de subir no ônibus. Para milhares de mulheres e meninas, o simples ato de sair de casa rumo ao trabalho, à escola ou de voltar para o lar já carrega um cuidado emocional constante. Não é raro que o trajeto, que deveria ser apenas um deslocamento cotidiano, se transforme em um momento de tensão. Olhares que atravessam, corpos que se aproximam sem permissão, comentários que machucam, toques indesejados. Situações que, somadas, criam um medo silencioso que acompanha essas mulheres todos os dias.
Foi ouvindo esses relatos, muitos deles ditos com a voz baixa por vergonha ou por medo, que apresentei na Câmara Municipal de Porto Alegre o projeto Espaço Mulher. A proposta garante assentos exclusivos para mulheres nos ônibus da capital. Ela amplia a lei que já prevê prioridade para idosos, gestantes, pessoas com deficiência e com obesidade e estende essa proteção às passageiras que convivem com o risco constante de importunação sexual. A ideia é simples e urgente: criar um ambiente mais seguro para mulheres e meninas no transporte público.
Os dados reforçam o que tantas mulheres já sabem na prática. Uma pesquisa de 2024 dos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, em parceria com a Uber, mostrou que 71% das mulheres de Porto Alegre já sofreram algum tipo de agressão durante seus deslocamentos. Não são casos isolados, não são exceções. São histórias repetidas todos os dias. E o cenário fica ainda mais grave com o estudo Mulheres 2025, do Instituto Cidades Sustentáveis com o Ipec. Segundo o levantamento, 79% das porto-alegrenses já foram vítimas de assédio sexual em espaços públicos e no transporte coletivo, índice que supera a média das maiores capitais do país.
Esses números revelam a urgência do problema, mas também revelam o quanto ele tem sido negligenciado. A violência contra a mulher no transporte não costuma virar manchete, não costuma ser denunciada e, muitas vezes, nem é compartilhada com amigos ou familiares. Muitas mulheres silenciam porque acham que “não foi tão grave”, porque temem não serem levadas a sério ou porque estão simplesmente cansadas de tentar explicar o que passam nos trajetos diários.
Diante desse cenário, o Espaço Mulher surge como uma política de prevenção e proteção. Ele não substitui a responsabilização de agressores nem dispensa outras medidas fundamentais como campanhas de conscientização, penas mais duras e educação para o respeito. Mas representa um respiro. Oferece um espaço em que mulheres podem viajar com mais tranquilidade e onde a vulnerabilidade diminui. É uma ação concreta para quem vive sob alerta constante.
A iniciativa também inspirou o deputado Gustavo Victorino a apresentar na Assembleia Legislativa um projeto semelhante para os ônibus intermunicipais. Isso mostra que a pauta é mais ampla que os limites da capital. É uma questão estrutural que exige respostas integradas e políticas públicas pensadas para proteger quem mais sofre.
Toda mulher merece ir e voltar sem medo. Merece escolher onde sentar sem calcular riscos. Merece chegar ao trabalho ou à escola sem já ter passado por uma situação humilhante no caminho. Merece dignidade e respeito em cada parte do seu dia.
O Espaço Mulher não resolve tudo, mas representa um passo firme, humano e necessário. Enquanto houver mulheres que entram num ônibus com o coração apertado, medidas como esta continuarão sendo urgentes. Segurança não pode ser privilégio. Tem de ser um direito. Sempre.
