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Esqueça tudo que você já leu ou ouviu sobre Elke Maravilha. Ou, pelo menos, quase tudo

Morta em 2016, Elke teria feito 75 anos em fevereiro. (Foto: Reprodução/Instagram)

Esqueça tudo que você já leu ou ouviu sobre Elke Maravilha. Ou, pelo menos, quase tudo. Pois foi partindo da desconstrução dos mais importantes mitos ao redor da atriz, modelo e cantora, morta em 2016, que o jornalista Chico Felitti montou a narrativa da biografia “Mulher Maravilha” (Storytel), audiobook lançado mês passado, quando Elke teria completado 75 anos.

Pensado inicialmente como um trabalho de conclusão de curso de jornalismo, o projeto foi esnobado pelos professores de Chico. Todas as gravações, pesquisas e entrevistas com a musa (tiradas a fórceps, diga-se de passagem), ficaram adormecidas até o dia da partida de Elke, quando o repórter escreveu um obituário, publicado na “Folha de S.Paulo”, e deu início à missão do livro, narrado pela atriz Fernanda Stefanski.

“Ela dizia que era amada pelas crianças e pelos jovens, e odiada por gente “mais velha e carola”. Como muitas pessoas que cresceram nos anos 1980 e 1990, eu também tinha uma fixação por aquela figura tão peculiar. Mas desconfiava que a vida por trás daquela imagem fosse frondosa, pelas histórias surreais que contava, o domínio de oito línguas, e para desenvoltura de falar em rede nacional sobre os três abortos que fez. O legado que ela deixou foi ético e estético”, defende Felitti.

Uma figura, aliás, difícil de ser resumida aos figurinos extravagantes e maquiagem pesada que utilizava nos programas de TV, fossem os do Chacrinha ou os de Silvio Santos. Uma de suas camadas que talvez não fossem tão visíveis na tela da TV era a política. Autodenominada “anarquista”, foi presa por seis dias durante a ditadura militar, em 1972.

Felitti conta que Elke rasgou os cartazes de “procurado” com o rosto de Stuart Angel que estampavam as paredes do aeroporto Santos Dumont. Ela justificava esse acesso de rebeldia com o argumento de que o estudante, filho da estilista Zuzu Angel, já havia sido morto pela ditadura e, a essa altura, a mãe já havia sido informada, enquanto o regime continuava simulando uma busca por ele, como se estivesse foragido. Elke foi levada para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e, antes de ser interrogada, pintou a cara como o Coringa.

“Uma anedota que descobri desse episódio é que, no momento da prisão, ela foi acompanhada por um funcionário do aeroporto, para garantir que ela não ia “sumir”. Nas décadas seguintes, ela encontrava esse homem no Santos Dumont e o abraçava, sem nunca ter sabido seu nome”, revela o biógrafo.

Contadora de histórias

Um dos clássicos relatos que sempre chamaram atenção de Felitti era a suposta saga da mãe de Elke, que teria saído grávida da Alemanha fugida da Segunda Guerra e em busca do marido desaparecido, até chegar à União Soviética, onde teria dado à luz a futura jurada da TV brasileira. Em contato com um ex-professor de Elke e com irmãos de sua biografada, o jornalista descobriu que a história não era bem assim…

Mas este e outros mitos dos quais Elke foi se cercando, no fundo, pareciam fazer parte de uma verdadeira estratégia de comunicação delineada para chegar ao coração da massa que a acompanhava pela TV. Eram muito mais do que apenas mentiras aleatórias.

“Na televisão, a Elke se portava como desentendida, por mais que fosse uma pessoa inteligentíssima. Uma das coisas que aprendi é que ela sabia muito bem dourar as pílulas difíceis que queria oferecer para o público. Mesmo quando falava sobre temas espinhosos, ela o fazia dentro de um figurino mágico, como se fosse uma criatura saída de um sonho, e sempre com muita alegria.”

Um doçura que, infelizmente, esteve distante de Elke em seus últimos anos de vida. Depois de sair da TV aberta, quando Silvio Santos resolveu cancelar seu talk-show e não renovou o seu contrato no SBT, começou a queimar economias. Abriu um negócio de joias em prata com o então marido, que não deu certo e faliu. Aos amigos, confidenciava que não tinha comida em casa, mas preferia gerar dívidas com bancos em vez de pedir ajuda.

Alguns anos antes de sua morte, Elke teve um revival, pelo menos na publicidade. Foi chamada para fazer ponta no “Big Brother Brasil”. Um comercial de cosméticos foi seu último trabalho, e Chico conta que ela se orgulhava muito dele, pois posou ao lado de novos artistas do movimento LGBTQ+, como Liniker.

“O cachê dessa última campanha foi usado para quitar o valor que ela devia pelo apartamento alugado em que morava no Leme, quando ela morreu.”

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