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Está declarado o fim da lua de mel entre o PT de Lula e o presidente do Banco Central, indicado pelo presidente da República

Galípolo começa aos poucos a se converter em alvo do lulopetismo. (Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

Está declarado o fim da lua de mel entre o PT de Lula da Silva e o presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo. Indicado pelo presidente como uma aposta para dar um cavalo de pau nos rumos da política monetária, como se isso fosse viável e o melhor para o Brasil, Galípolo começa aos poucos a se converter em alvo do lulopetismo. Os sinais do rompimento podem ainda não ter aparecido sob a forma dos apopléticos documentos do partido, com os quais invariavelmente petistas põem o dedo em riste contra aqueles que consideram inimigos, mas são cada vez mais barulhentas as críticas que até aqui se restringiam a murmúrios internos.

O episódio do aumento do IOF escancarou uma divergência entre Galípolo e o outrora amigo próximo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O redivivo ex-ministro José Dirceu escreveu um artigo no qual, ao atacar o rentismo, o mercado financeiro, a “Faria Lima” e os juros altos, ironiza um Galípolo que, “tão cioso de sua independência”, se reúne com empresários e o setor financeiro – é como se o presidente do BNDES fosse criticado, num evidente disparate, por se encontrar com representantes da indústria. Antes, em carta aberta à militância, o antigo amigo de Fidel Castro propôs à esquerda uma “revolução social” capaz de “pôr fim à apropriação e expropriação da renda nacional pelo capital financeiro e agrário, num circuito entre o Banco Central e a Faria Lima”.

Houve mais. Três dos quatro candidatos à presidência do PT não só fizeram críticas ao capitalismo, como foram explícitos no ataque ao Banco Central e sua preocupação com a inflação, a (má) percepção dos agentes econômicos e seus efeitos sobre a política monetária e a estabilidade da moeda. Um dos poucos governadores de Estado do partido, o cearense Elmano de Freitas, cobrou de Galípolo – “agora que indicamos o presidente do Banco Central” – a redução da taxa básica de juros (Selic), como se isso dependesse de uma canetada. A cisão se completa com o debate sobre a proposta que prevê autonomia financeira do BC.

O problema de fundo é o vício petista de enxergar o Banco Central como um instrumento do mercado para favorecer o rentismo, em detrimento do crescimento do País. É uma versão conveniente para uma verdade inconveniente: a incapacidade do lulopetismo de enfrentar a realidade da alta da inflação e o papel dos gastos do governo nessa escalada. A grita petista mostra que Galípolo pode estar fazendo o certo: como presidente do BC, cabe a ele ser o zelador prudente do poder de compra da moeda, e não o irresponsável sabujo de um presidente perdulário, como o PT desejaria. Mas, para os petistas, Galípolo apenas se rendeu à lógica do mercado.

O que é ilógico, contudo, é que mais de 15 anos de poder foram insuficientes para que o PT entendesse a dinâmica do mercado. Lula e seu partido nunca esconderam o desconforto com o modelo estabelecido em lei para o Banco Central. Antes disso, nos seus dois primeiros mandatos, o demiurgo petista até deixou o então presidente do BC, Henrique Meirelles, trabalhar de forma autônoma. Era uma autonomia que lhe convinha. Precisando conquistar a confiança dos agentes econômicos, ele permitiu uma maior complementaridade entre as políticas fiscal e monetária – foi a maior disciplina fiscal no primeiro mandato, aliás, que permitiu o crescimento robusto no segundo mandato, ainda que, como se sabe, com alto custo futuro. Mas não sem uma no cravo e outra na ferradura: morubixabas petistas ou o próprio Lula esbravejavam publicamente contra os “juros altos” do BC, enquanto nos bastidores o presidente trocava mesuras com Meirelles.

Funcionou enquanto Lula e o PT tinham capital político para brigar contra o mercado e a realidade. Não é o caso de agora. Ocorre que a independência institucional garantida por lei ao BC e algum zelo demonstrado pela autoridade monetária para compensar a expansão fiscal do terceiro mandato são vistos pelo PT como forças malignas. A torpeza de sentido tem um vício de origem: a incapacidade do lulopetismo de lidar com a dinâmica do setor privado, e é assim que o mercado financeiro é o Tinhoso, empresário bom é só aquele que favorece a companheirada e a autonomia do Banco Central só é bem-vinda pela metade, isto é, que o BC seja autônomo em relação ao mercado, afugentando investidores, mas não ao governo e sua gastança. (Opinião/O Estado de S. Paulo)

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