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“Estou tomada por uma sensação de impotência”, diz brasileira espancada e vítima de xenofobia nos Estados Unidos

Raíssa Garcia perdeu um dente, deslocou um braço e ficou com diversos ferimentos pelo corpo depois de ter sido agredida por uma americana. (Foto: Reprodução)

“Não vai acontecer nada comigo. Eu sou americana. Você tem que voltar para o seu país”. Era isso que a brasileira Raíssa Garcia, de 36 anos, ouvia da sua agressora enquanto era espancada na semana passada, no meio da rua de Framingham, em Massachusetts, nos Estados Unidos, região onde moram muitos brasileiros. Raíssa perdeu um dente e deslocou um braço, entre outros ferimentos. A americana Michelle Milburn, de 45 anos, foi presa no mesmo dia, passou uma noite na delegacia e foi liberada mediante o pagamento de uma fiança. Em entrevista ao jornal O Globo, na terça-feira, quase uma semana depois do ocorrido, Raíssa conta que, depois da agressão gratuita, não consegue trabalhar, tem dificuldades de sair na rua e fica com a voz da agressora ecoando na sua cabeça.

“Estou toda machucada porque, além de tudo, também sofro de fibromialgia crônica. Estou sem condições de trabalhar e meus filhos com medo de ir à escola. A voz daquela mulher ecoa na minha mente o tempo todo falando aquilo que ela repetia para mim. Minha vida não está normal. Ando na rua sentindo que tem alguém me vigiando e falando alguma coisa e, desde aquele dia, não consigo dormir mais”, diz Raíssa, ainda abalada.

“Eu vou me recuperar, sou uma mulher forte. Mas acho que vai demorar muito tempo. Estou tomada por uma sensação de impotência muito grande porque foi uma violência gratuita”, conta a brasileira, explicando que estava no carro quando a americana que também dirigia começou a ofendê-la sem qualquer motivo. “Ela julgou que eu não era americana. Ela não esperou eu trocar uma palavra sequer. Por que ela chegou a essa conclusão? Porque o meu cabelo é escuro? Porque eu tenho traços indígenas? Sou descendente de índios, sou do Brasil. Tenho muito orgulho de ser brasileira e de ter conseguido chegar sozinha nesse país com dois filhos. Isso ela não vai conseguir tirar de mim.”

Mãe solo, Raíssa se mudou para os EUA em 2018 em busca de um futuro melhor para os dois filhos. Lá, ela não tem família. Ao jornal O Globo, ela conta que nunca tinha vivido nada parecido no país e que, além do espancamento na última semana, também passou a ser vítima de uma onda de violência nas redes sociais. Raíssa tem se deparado com comentários ofensivos que até arriscam “justificativas” para as agressões sofridas. Um deles, por exemplo, afirma que ela “deveria ter apanhado até morrer”.

“Houve muitos comentários negativos vindos de pessoas que nem conheço. Uns falavam que eu provoquei a situação, outro dizia que eu deveria ter apanhado até morrer. Na polícia, fui informada que todas essas pessoas serão arroladas no processo como crime de ódio. Quem faz esses comentários também está cometendo um crime. As pessoas precisam entender que internet não é terra sem lei”, diz Raíssa.

A agressão

De dentro de um carro, em uma via movimentada da cidade de Framingham, Raíssa viu a americana gesticulando e falando sozinha. Ela estava parada ao lado dela, que também estava dirigindo. Inicialmente, a brasileira achou que ela estava conversando com alguém via bluetooth. Michelle, entretanto, abriu a janela e começou a se dirigir diretamente a Raíssa. A brasileira abriu a janela e pôde ouvir as ofensas. “Volta para o seu país. Volta para o seu país agora. Aqui é ‘América’. A – m – e – r – i – c – a (ela soletrou)”, teria dito Michelle.

“Aí comecei a falar com ela em inglês. Perguntei por que ela estava mandando eu voltar para o meu país e o que eu tinha feito contra ela. Ainda disse que estava dirigindo corretamente, com o documento necessário. Ela só me respondeu: ‘Você precisa voltar’” conta Raíssa.

Em seguida, Michelle posicionou o carro na frente de Raíssa, impedindo que ela saísse do local. A brasileira saiu do veículo para filmar a placa do carro da americana. Nesse momento, Michelle foi em direção a ela e as agressões físicas começaram. A americana, que portava um canivete, a agrediu com um molho de chaves.

“Ela veio apontando o dedo para mim, encostou no meu rosto, me enforcou e me deu dois murros na cara de mão fechada. Eu tentava defender meu rosto e ela me batia muito na nuca, na cabeça, no estômago, na costela e na boca. Quando ela tentou fugir eu fui atrás e abri a porta do carro dela. Nesse momento, ela jogou o carro em cima de mim, saiu e me deu pancadas mais fortes, inclusive com as chaves”, relata Raíssa.

Durante todo o momento, Michelle estava em ligação de vídeo com o seu filho. “Está vendo o que eu faço com ela?”, dizia a americana. Raíssa afirma que o menino, que aparentava ser muito jovem, “gritava desesperadamente”: “Para, mãe. Você vai matar ela”.

O momento foi filmado por cerca de 50 pessoas, segundo Raíssa. Durante a agressão, a brasileira pedia, em português, para que alguém chamasse a polícia. Mas ninguém atendeu ao pedido de socorro. Depois que Michelle deixou o local, Raíssa, agredida, ligou para as autoridades, que chegaram em dois minutos. Ela foi levada ao hospital, onde recebeu atendimento médico. As informações são do jornal O Globo.

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