Na segunda semana de agosto, a Câmara dos Deputados do Uruguai aprovou um projeto de lei para regulamentar a prática da eutanásia no país. Espera-se que, até o fim do ano, a medida, apoiada pela maior parte da população uruguaia, passe no Senado. Além do avanço no país sul-americano, parlamentares da França e do Reino Unido também deram o sinal verde à morte assistida neste ano, reflexo de uma tendência mundial, mas que caminha a passos lentos no Brasil.
A eutanásia consiste no ato voluntário de morrer sem dor e com assistência médica, geralmente destinada a casos em que o paciente tem uma doença terminal ou incurável. O termo, cunhado pelo filósofo Francis Bacon, no século XVII, tem origem grega e significa “boa morte”. É semelhante ao suicídio assistido. Na eutanásia, o médico prescreve, mas é também quem aplica a substância que induz o paciente à morte. Já no outro, o médico faz a prescrição, porém apenas o próprio paciente pode autoadministrar a droga.
No Brasil, todas as formas de morte assistida são proibidas e consideradas crime. No Uruguai, a nova lei estabelece que poderão recorrer à eutanásia todo adulto que esteja na fase final de uma doença terminal sem cura e irreversível ou que sofra de dores insuportáveis por causa dela. O indivíduo precisa ter um grave e progressivo deterioramento de sua qualidade de vida e estar “psiquicamente apto” a tomar a decisão.
Embora a aprovação de uma lei do tipo seja algo inédito na América Latina, outros países do continente, como Colômbia, Equador e Peru, já permitem a eutanásia graças a decisões da Suprema Corte que despenalizaram a morte assistida em seus territórios. Outros lugares que permitem a eutanásia no mundo são Suíça, Bélgica, Holanda, Itália, Alemanha, Áustria, Luxemburgo, Portugal, Espanha, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Cuba e alguns estados dos EUA.
Apesar do atraso brasileiro, para os especialistas, há um movimento mundial que tem trazido mais atenção ao tema e que ganha força com casos como o do cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard e do poeta e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Antonio Cicero, que tornaram públicas as decisões pela morte assistida.
Brasil
Em relação ao cenário jurídico brasileiro, a única possibilidade autorizada é a de que um paciente recuse tratamentos que possam prolongar a sua vida para morrer naturalmente, prática conhecida como ortotanásia. Ela é diferente da eutanásia, em que ativamente se antecipa o óbito de pacientes com doença grave.
No entanto, muitas vezes esse direito não é cumprido. Isso porque o Código Penal não aborda explicitamente o tema. Em 2006, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu uma resolução permitindo a ortotanásia, mas que chegou a ser alvo de contestações na Justiça. No final, a validade da norma foi reconhecida.
Ainda assim, por não ser algo garantido por lei, muitos médicos têm receio de acatar a decisão do paciente e deixar de administrar o tratamento, explica Volnei Garrafa, professor da pós-graduação em Bioética da Universidade de Brasília (UnB) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB):
“O Código Penal estabelece que é proibido que o médico deixe de intervir para salvar a vida do paciente. Então eles têm temor de deixar um paciente terminal sem prolongamento e ser punido. A resolução do CFM buscou aliviar essa possibilidade, mas é uma norma sem valor de lei. Então é um panorama muito delicado.”
Garrafa, que é foi membro do Comitê Internacional de Bioética da Unesco de 2010a 2017, e pesquisa o tema há 35 anos, conta que há um projeto de lei, apresentado pelo ex-senador Gerson Camata, ainda em 2000, para alterar o Código Penal e deixar clara a legalidade da ortotanásia. O texto, porém, avançou de forma lenta no Congresso e está parado numa comissão da Câmara dos Deputados desde 2023.
“É um projeto muito bom para facilitar essa situação de um médico cujo paciente não quer mais sofrer e, com uma ação correta, a pedido dele, deixa de investir desnecessariamente no prolongamento da vida. Mas há uma inoperância congressual no Brasil. Os parlamentares votam apenas de acordo com as suas bases ou com as suas convicções”, avalia.
Em relação à eutanásia, apenas dois projetos foram apresentados no país que buscavam diretamente a sua legalização, em 1991 e 1996, pelo ex-senador e ex-deputado Gilvam Borges. As propostas, no entanto, foram arquivadas. Outros textos apresentados buscaram endurecer a punição a quem pratica a morte assistida, tornando-a crime hediondo, mas também foram arquivados.
Há ainda um outro projeto no Congresso que pode abordar o tema, o da reforma do Código Penal, apresentado em 2012 por José Sarney. O texto não legaliza a prática, porém a tipifica como um crime autônomo, com uma pena de 2 a 4 anos de prisão. Isso tornaria a pena inferior à de um homicídio simples (6 a 20 anos), que é como a eutanásia é julgada hoje.