Quando começar a cortar a taxa básica de juros, a Selic, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) pode ir mais longe do que aquilo que está exposto nos preços do mercado ou na pesquisa Focus, segundo Bruno Serra, ex-diretor do BC, hoje à frente dos fundos da família Janeiro na Itaú Asset Management.
Num cenário “relativamente conservador”, em que tudo dê errado, ele estima que a taxa básica chegue a 11% ao ano ao fim de 2026. E numa eventual mudança da política fiscal, haveria condições de o colegiado derrubar o juro para mais perto do nível neutro, entre 9% e 8,5%.
Apesar de ter interpretado a comunicação do Copom após a reunião de quarta-feira, que manteve a Selic, como mais “hawkish” (pró-juros altos) do que esperava, Serra disse que o BC indicou a sua projeção de inflação para 18 meses à frente em 3,2%, com uma meta de 3%. “Agora com os juros a 15%, a inflação está em 4,4%, é essa perspectiva que tem que ter. Se ele se mostrou preocupado, dá para começar a ficar mais tranquilo de que a inflação vai ser domada”, afirmou, ao participar de evento da Itaú Asset na última quinta-feira.
Se o relaxamento vai ser iniciado em janeiro ou março ainda é dúvida, mas 2026 vai ser um ano de flexibilização monetária, após o BC, sob o comando de Gabriel Galípolo, se mover de forma muito cuidadosa. “Essa cautela, no final das contas, apesar de postergar o processo, vai dar mais confiança e mais longevidade para o ciclo de corte de juros quando assim acontecer.”
“Desde quando eu ainda estava lá (na diretoria de política monetária, de 2019 a março de 2023), alguma coisa como 0,20% acima ou abaixo da meta de inflação, o Banco Central chama de ao redor da meta. Ou seja, eu estou cumprindo o meu mandato. Vai ser a primeira vez que ele vai dizer que a inflação está ao redor da meta”, afirmou Serra.
“Em 2023, a gente estava cortando juros nesse processo ao redor da meta e a taxa não estava partindo de 15%. E a economia estava mais aquecida do que está hoje, estava crescendo mais de 3,5%. Hoje, a economia está crescendo mais ou menos a metade disso.”
Para Serra já haveria condições para o BC afrouxar a política monetária em janeiro, se quisesse. “Se o cenário evoluir minimamente bem até lá, acho que tem espaço para as expectativas de inflação caírem um pouco, para o mercado de trabalho apresentar uma desaceleração adicional.”
Mas o que importa, prosseguiu, é que o Copom vai cortar bastante. No meio do caminho, a equipe do Janeiro espera reduções acima de 0,50 ponto percentual em “algum momento do ano a partir de abril porque a taxa vai partir de um nível muito alto e a inflação vai cair muito rápido”.
Serra calcula que até lá a economia vai estar crescendo num ritmo de 1,5%, 1,4% e o desemprego vai começar a aparecer. “Já tem destruição de emprego com carteira assinada no setor privado há dois meses (…) e na média móvel há três meses”, citou. O que eu vejo para frente? A inflação já caiu. O grande risco agora é a atividade cair.”
Para Serra, a desaceleração vai depender de como o Banco Central toma suas próximas decisões. “Não me parece que ele vai tomar o risco de errar para esse lado com a taxa de juros de 15% e a inflação rodando a perto de 3%”, afirmou. “Então, o cenário vai ser de corte 0,25 (ponto percentual) em janeiro ou não. Isso, eu acho que o BC pode escolher. Em março e daí para frente, as discussões vão ser de ter 0,75, ou dependendo do cenário, até 1 ponto percentual”.
Ele lembrou que, durante o ciclo de aperto monetário, o BC fez três altas de 1 ponto percentual e agora a taxa de juro parte de um nível muito elevado. “Eu acho que se tudo der errado a taxa de juros termina o ano perto de 11%.”
Num cenário de Lula reeleito, se a inflação seguir distensionando, Galípolo não tem mais que se provar, como quando assumiu a diretoria e depois a presidência do BC. “Ele colocou a taxa livre de risco num patamar que ninguém imaginava, não vai ter mais essa discussão de desancorar a expectativa de inflação.”
E qualquer que seja o resultado da eleição, ele acha que “se tiver uma mudança na direção da política fiscal, que de fato ajude a ancorar a expectativa e segure a demanda agregada, o juro vai cair sem parar até uns 9%, 8,5%. A gente vai de fato para o neutro, de 8%, 8,5%, algo assim”.
Selic a 15% ao ano parece mesmo uma “aberração”, afirmou Bruno Bak, gestor à frente da família de fundos Artax da Itaú Asset. Quando questiona como se chegou até aqui, “o fiscal muito expansionista parece a melhor hipótese para explicar esse juro muito alto. Não só do governo federal, mas nos Estados e municípios, o Brasil cresce gasto em uma velocidade muito grande”. Ele também acredita que qualquer que seja o nome do Planalto a partir de 2027, deve haver alguma consolidação fiscal, com a taxa básica podendo cair até abaixo do neutro, mas disse ter menos convicção de que o cenário ruim será cortar até 11%, porque o ciclo eleitoral trará muita volatilidade.
Como a característica de ter uma inflação de serviços relativamente alta, e de bens e alimentos em níveis mais baixos, há componentes que dependem muito do câmbio, alertou Bak. “Se tiver um ano muito volátil e uma depreciação muito grande no câmbio, pode haver uma inflação no ano que vem totalmente diferente dessa que se está projetando.”
Para Serra, num cenário de transição política benigna, os juros são de longe o mais defendido nos preços atuais. E o mais dependente da mudança seria a bolsa. “Eu acho o câmbio o mais difícil, porque se você tiver mudança, os juros vão cair muito rápido porque na hora que se tirar o anabolizante fiscal, a política monetária vai ter que entrar como o motor do crescimento econômico”, afirmou. O real tenderia, contudo, a ficar mais depreciado, não vai ser um bom ativo para surfar o rali.
Bak emendou que se houver uma mudança de regime fiscal, com mais contenção de gastos, as posições em juro nominal vão trazer ótimos frutos, mais até do que a bolsa, já que o crescimento não deve surpreender. Mas num cenário eleitoral muito dividido, ele pondera que pesando os riscos e o valor esperado, talvez o melhor ativo hoje seja a Nota do Tesouro Nacional série B (NTN-B) longa, atrelada à inflação. As informações são do jornal Valor Econômico.
