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Ex-presidente do Banco Central diz que, sem reformas, o governo não vai conseguir zerar o déficit em 2024

Economista presidiu o BC entre os anos de 1983 e 1985. (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

O ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore acredita que a equipe econômica não vai conseguir cumprir a meta de zerar o resultado primário em 2024. Ele diz, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que o governo deveria “ter juízo”, alterar a estratégia do ajuste fiscal e “fazer reformas que permitam cortar gastos”.

“Eu não tenho dúvida de que o governo não deseja e não quer fazer contingenciamento de controle de fasto”, afirma ele. “Esse governo coloca um papel crucial no aumento de gastos. Ele acha que o crescimento econômico do País depende dele.”

Veja trechos da entrevista:

1) Qual é a avaliação que o senhor faz da situação das contas públicas?

Em 2024, o aumento de gastos real (acima da inflação) será de 3,5%. Isso está dado. E o governo diz o seguinte: vou financiar com receitas sem o aumento de alíquota de nenhum imposto. Ele tem de buscar receitas que somam R$ 168 bilhões. Quando a gente percorre a lista do que o governo ofereceu – por exemplo, o negócio das offshores ou o negócio dos fundos fechados, qualquer um deles –, você não consegue encontrar os R$ 168 bilhões. Com essas restrições que ele se impôs, é impossível atingir a meta do resultado primário nulo. Estou só falando de 2024, não estou falando de 2025 e 2026. Se não é possível atingir (a meta de déficit zero),o que ele deveria fazer é contingenciar as despesas, não realizar aquilo que faltar. Precisa fazer controle de gastos.

2) O governo deve seguir por esse caminho?

Eu não tenho dúvida de que o governo não deseja e não quer fazer o contingenciamento de controle de gasto. Se ele não conseguir atingir o resultado primário, deveria contingenciar ou mudar a meta. Se ele mudar a meta do resultado primário – o que o Haddad (Fernando Haddad, ministro da Fazenda) tem se negado a fazer –, vai para o espaço a tal da credibilidade e o esforço do governo de reduzir a relação dívida/PIB. Não vejo isso sendo feito. Na minha opinião, e isso não tem nada a ver com o Haddad, esse governo coloca um papel crucial no aumento de gastos. Ele acha que o crescimento econômico do País depende dele, do governo. Não está disposto a transigir nos gastos. No que isso vai dar? Não vai cumprir a meta de superávit primário e a relação dívida/PIB vai subir.

3) Qual será a consequência?

Com a política fiscal expansionista, você cria um problema para o Banco Central. Ele vai ter de reduzir a taxa de juros menos do que ele iria reduzir. Se o BC mantiver o objetivo de chegar na meta de inflação, nós vamos ter de chegar numa taxa de juros real (taxa de juros nominal descontada a inflação) mais alta no fim do processo e, consequentemente, com crescimento menor.

4) O juro pode chegar a quanto no Brasil dado o nosso quadro fiscal?

A visão mais otimista que tem no mercado está colocando o juro entre 9,5% e 10%. A minha calibragem, com as nossas contas como modelo, é de 10,5% para entregar (a inflação) na meta em 2025. O temor que eu tenho é de que o Banco Central vai levar a taxa abaixo desses níveis. (…) O meu ponto é de que, precisando de mais receitas, o governo comece a pôr pressão no BC para tentar acelerar o crescimento (econômico) e, assim, gerar a receita necessária para poder cumprir a meta de resultado primário.

5) Acredita no cumprimento das metas fiscais de 2025 e 2026?

Se não quiser ter uma carga tributária excessiva no Brasil, tem de controlar gastos. O que o governo teria de fazer em 2025 e 2026 é mudar totalmente o enfoque de como está levando a sua proposta de ajuste fiscal. Tem de começar a controlar gastos para evitar um aumento de carga tributária excessivo. Se ele não controlar gastos e não puder fazer esse aumento excessivo de carga tributária, nós vamos ter um crescimento de dívida muito grande. É um crescimento que produz prêmio de risco em tudo quanto é ativo, principalmente na taxa de juros, e impede que o País cresça. O governo tem de ter juízo e fazer reformas que permitam cortar gastos.

6) Com esse cenário, como fica a relação dívida/PIB?

O mercado responde a pesquisa Focus, do BC. Em nenhum ano, nem em 2024 nem 2025 nem 2026, a mediana das expectativas de resultado primário da pesquisa dá o resultado primário que o governo diz que é a meta dele. Na pesquisa Focus, tem um déficit de 0,7% do PIB em 2024, e também estão previstos déficits em 2025 e 2026. Se a gente seguir a pesquisa Focus, com o atual diferencial entre a taxa real de juros e a taxa de crescimento econômico, vamos chegar a uma relação de dívida/PIB entre 82% e 85% do PIB lá no final do governo Lula.

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