Até o fim do século 19, só a morte permitia aos médicos verem o corpo humano por dentro. Nas escolas de medicina, a dissecação de cadáveres se apresentava como único meio de os estudantes conhecerem os principais órgãos e descobrirem como se interligavam. O corpo era então escuro e silencioso. Ver o coração pulsando, o cérebro realizando sinapses e o sangue percorrendo a intrincada rede vascular não passava de ficção. Tudo mudou em 1895, quando o alemão Wilhelm Conrad Röntgen descobriu acidentalmente o raio X – desde então, o homem ficou literalmente transparente.
A notícia da primeira radiografia, que foi dos ossos da mão da mulher do cientista, ganhou o mundo. Em 1897, eram constantemente publicados anúncios de consultórios que faziam exame com a “Luz de Röntgen”. “Com este aparelho tem-se conseguido observar o coração, o fígado, o baço, fraturas insignificantes e corpos estranhos de pequeníssimas dimensões.”
Três anos depois, em um artigo sobre os avanços da medicina no século 19, um jornal chamava atenção para os novos recursos da ciência, tratados como “engenhosos instrumentos da diagnose”. “Inventava-se o espectroscópio, o hemoglobinômetro, o hematímetro…; e como se não bastasse, aproveitando-se a clínica da descoberta de Röntgen, a nossa vista enxerga como pela transparência de um vidro o mais denso, o mais íntimo, o mais recôndito do organismo humano.”
Foi o surgimento da informática, na década de 1950, que potencializou o experimento de Röntgen: a radiografia passou a captar imagens transversais, em fatias, de estruturas do corpo, como os ossos. Aqui, se fala da tomografia, exame essencial na vida de atletas, por exemplo. Sem essa tecnologia, quando Anderson Silva, campeão de UFC, fraturou a perna em 2013, os médicos não teriam condição de avaliar o tamanho da lesão nem o tratamento mais adequado em tão pouco tempo.
Avanços eletrônicos, de computação e resolução tornaram os exames de imagem mais rápidos, precisos e menos invasivos. Se antes o diagnóstico do coração estava limitado ao uso de um estetoscópio e, mais tarde, do eletrocardiograma, hoje médicos podem usar procedimentos como angiografias, tomografias e ultrassons.
“Até o século 19, só era possível avaliar as lesões internas após a morte, nas autópsias ou durante os procedimentos cirúrgicos, que raramente eram realizados, devido à intensa mortalidade”, afirma Clarissa Nogueira, professora de medicina..
Os diagnósticos antecipados levam a tratamentos melhores e a taxas de sobrevivência mais altas. Por décadas, os oncologistas, por exemplo, eram obrigados a apenas especular sobre o efeito de remédios em um tumor. Hoje, com a tecnologia PET scan, é possível visualizar exatamente como um determinado tumor está reagindo ao tratamento. E tomar decisões com base em imagens precisas.
Uma imagem pode significar a diferença entre vida e morte. Antes do desenvolvimento do ultrassom, os aneurismas da aorta abdominal, por exemplo, raramente eram identificados antes de se rompessem. Hoje, é possível localizá-los, reduzindo o risco de morte em mais de 40%.
“Mas também há prejuízos por excessos e perigos dos exames. Muitos ovários sadios foram perdidos com a visualização de cistos ovarianos depois da introdução da ultrassonografia”, explica Clarissa.
Espiar dentro do corpo humano chegou ao extremo de o ultrassom 3-D permitir que a mãe veja o rosto e o corpo do filho antes de ele nascer. As imagens captadas pelo aparelho dão detalhes até das feições do feto – como se fossem um retrato. A versão 4D do exame vai além: mostra os movimentos do bebê. Certamente, Röntgen não imaginava, em 1895, que o homem seria assim tão transparente. (AE)