O diretor Andrucha Waddington diz que a história de Ângela Diniz chegou até ele “por acaso”. Décadas depois do feminicídio da socialite mineira pelo namorado, Doca Street, em 1976, sua memória foi revisitada no podcast “Praia dos ossos”, da Rádio Novelo, de 2020. Foi a partir desse material que Andrucha decidiu levar o caso à ficção. A proposta deu origem à minissérie “Ângela Diniz: assassinada e condenada”, que estreou recentemente no HBO Max, com Marjorie Estiano como a protagonista.
“Encontrei com a Branca Vianna (fundadora da Rádio Novelo e narradora do podcast) quando estavam começando a produzi-lo. Vimos trechos e pensamos em fazer uma série depois que fosse lançado. Apesar de ter acontecido há 49 anos, é uma história contemporânea. É uma boa oportunidade da gente, pelo entretenimento, trazer um debate importante para a sociedade”, conta o diretor, conhecido por filmes como “Eu, tu, eles” e o recente “Vitória”, ao jornal O Globo.
Dividida em seis capítulos, a série mostra uma Ângela que, por sua liberdade, foi constantemente julgada por desafiar os padrões sociais machistas da época. O feminicídio impulsionou movimentos feministas e o debate sobre a tese da “legítima defesa da honra” – justificativa de Doca no julgamento.
Encarregada de dar vida à glamourosa socialite, a atriz Marjorie Estiano, de 43 anos, diz ter se interessado pela amplitude da personalidade de Ângela. A ideia é mostrar tanto uma mulher sensual, que contesta a autoridade masculina, quanto sua relação amorosa com a filha e com a mãe.
“Ter a Ângela com a filha, brincando de ‘lojinha’, mas também tê-la transando enlouquecidamente no corredor, se separando do marido, enfrentando e abraçando a mãe… São esses lugares que nos deixam observar a diversidade de uma personalidade que é complexa como todos nós. Esse lugar multifacetado foi composto no roteiro pelas escolhas das cenas, das relações e dos personagens que foram retratados com ela”, diz a atriz.
Figura conhecida em meio à alta sociedade e às colunas sociais do Rio na década de 1970, Ângela é interpretada pela atriz com forte sensualidade, presente do andar rebolado às falas firmes, mas não é objetificada – cuidado tomado por Marjorie e pelos idealizadores.
“Essa é a beleza da Ângela. Ela conseguiu romper com o padrão de poder da época, se permitiu viver os desejos e não se limitou ao que esperavam”, diz Renata Rezende, diretora sênior de produção de conteúdos de ficção na Warner Bros. Discovery.
Pela atualidade do tema, Marjorie pondera que Ângela Diniz é um convite para a luta pelos direitos das mulheres e pela transformação social constante.
“Com ela, pude sentir na pele a liberdade e quero exercer isso para a vida toda. Quando estudo a Ângela, começo a entender um pouco melhor a mulher que sou, a que minha mãe foi e a que a minha avó era. Aí vejo minha responsabilidade em dar seguimento a essas transformações, para que outras gerações possam lidar com mais naturalidade diante de coisas que para mim ainda não são”, reflete.
Ângela também teve sua memória menosprezada durante o julgamento de Doca Street, transmitido ao vivo nacionalmente. Apesar de assassinada com quatro tiros aos 32 anos, o advogado do réu, interpretado na minissérie por Antonio Fagundes, justificou o ato pela tese da “legítima defesa da honra” – invalidada só em 2023 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A pena de dois anos foi anulada e, o assassino, solto. Depois de protestos dos movimentos feministas, outro julgamento foi realizado nos anos 1980, resultando na condenação de Doca a 15 anos de prisão.
Na minissérie, o assassino é vivido por Emilio Dantas. O ator de 42 anos, que já contracenou com Marjorie na série “Fim” (2023), do Globoplay, conta que interpretar Doca Street foi “incomodamente fácil”.
“Sinto que ‘emprestei a cara’ para contar uma história maior. A existência do Doca na vida da Ângela, apesar de importante, foi muito curta. Nunca me interessou quem ele virou (depois do crime) ou quem foi antes. Ele é mais um dos caras que tentaram interromper a Ângela, mas que de fato conseguiu. Se não fosse isso, ele seria tão irrelevante quanto qualquer outro”, diz.
Depois de ler o roteiro, Emilio combinou com o diretor que a cena dos tiros não seria incluída na série, a fim de não vitimizar novamente a socialite. O ator não queria “dar nenhum tipo de intenção ao fato”. “Contamos essa história de modo cuidadoso, inclusive para não espetacularizar antes da hora. Havia uma torcida pró-Doca e outra pró-Ângela, então o grande circo está no julgamento”, completa Andrucha. As informações são do jornal O Globo.
