Em uma noite recente, um grupo de quatro mulheres andava por um bairro no leste de Paris (França), armadas com cola, pincéis e mochilas cheias de pôsteres. Elas procuravam por superfícies onde pudesse deixar uma mensagem forte.
“Este não é mal, não é?”, perguntou Astrid Tenon, toda vestida de preto, enquanto apontava para um muro de cerca de seis metros, ao leste do Marais. Sua companheira na luta, Chloé Madesta, segurando um balde, concordou.
Uma operação muito bem coreografada começou imediatamente: primeiro, uma mulher passou cola no muro, então uma segunda colou cada página, enquanto uma terceira reforçava a cola. Em menos de sete minutos, o muro trazia a mensagem: “Você disse que me amava, mas foi estupro”.
Por cerca de um ano, centenas de cartazes denunciando abusos e feminicídios têm aparecido em Paris, apesar de ser ilegal e considerado vandalismo colar cartazes nos muros da capital francesa.
Os cartazes são trabalho de ativistas feministas que, críticas à resposta do governo francês ao aumento de casos de violência doméstica, foram para as ruas com uma grande campanha que objetiva conscientizar a população sobre crimes contra mulheres cometidos por seus parceiros ou ex-parceiros.
“O nosso objetivo é levar esses fatos aos olhos do público, para que ninguém possa desviar o olhar”, explica Madesta. “Porque essa violência está sempre nas sombras”.
Slogans como “Papai matou a mamãe” ou “Ela o deixa, ele a mata” foram colados nos muros do Centro de Paris. A mensagem “Silêncio não é consentimento” está em uma ponte no norte de Paris. mensagens mais longas, que contam as mortes de mulheres por seus companheiros, estão espalhadas ao longo de túneis nos arredores da cidade.
Lentamente, os cartazes se tornaram parte da paisagem da cidade, tão comuns que muitos parisienses já conhecem vários deles.
Segundo Madesta, o grupo quer que as mensagens interrompam a vida cotidiana, que é onde a violência acontece.”
As mensagens também se tornaram o centro de uma disputa sobre quem são os donos das ruas. Cartazes costumam ser retirados ou pintados, mas as ativistas consertam esses estragos, trazendo as mensagens de volta.
A força dos cartazes, além da mensagem, está na identidade visual: letras maiúsculas, em negrito, e pintadas sobre folhas de papel branco. É simples, sóbrio e fácil de reconhecer.
“Com esse estilo, nós procuramos o lado cru da mensagem, a literalidade. Não há metáforas no que colamos, não há poesia”, conta Madesta.
É uma técnica simples e barata, o que ajuda a explicar por que as mensagens se espalharam tão rapidamente pela cidade.
A campanha é trabalho de um novo grupo feminista, o Les Colleuses ou As Coladoras, iniciado por Marguerite Stern, que, no verão de 2019, usou as redes sociais para lançar a ideia. Dezenas de mulheres responderam. Agora, cerca de 1500 ativistas participam da colagem de cartazes.
“Eu acho que tem a ver com Paris”, diz Stern ao tentar explicar a resposta forte a seu post inicial. “É uma cidade com muitas mulheres jovens, estudantes, e uma grande rede de ativismo.”
As ativistas afirmam que colar cartazes não apenas as permite expor publicamente uma realidade, a violência doméstica, que costuma ser mantida na esfera íntima, mas também as permite reivindicar as ruas, um espaço onde muitas mulheres se sentem vulneráveis.
No ano passado, 146 mulheres foram mortas por seus parceiros ou ex-parceiros na França., de acordo com dados do governo, um aumento de 21% em relação a 2018. Em novembro, o governo anunciou novas medidas para combater o problema, como medidas educacionais e mais assistentes sociais nas delegacias. As ativistas dizem que os esforços não são o bastante e não recebem recursos suficientes.
As Coladoras são parte de uma longa história de ativismo feminista nas ruas de Paris, “feministas que desafiaram a ordem com essas irrupções na vida cotidiana das pessoas”, explica a acadêmica Bibia Pavard, especialista na História do Feminismo.
Os cartazes das Coladoras ganham uma segunda vida na conta do grupo no Instagram, que tem 70 mil seguidores. Graças a isso, a mensagem já expandiu o movimento para outras cidades francesas e para a Bélgica e a Itália. As informações são do jornal The New York Times.