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Festival de cinema de Cannes quebra preferência por filmes americanos e europeus

Jafar Panahi durante cerimônia de premiação do festival no sábado; diretor iraniano precisou filmar de forma clandestina em seu país. (Foto: Reprodução)

Por mais que os brasileiros torcessem por uma Palma de Ouro para “O Agente Secreto”, que acabou levando dois prêmios no 78º Festival de Cannes, direção e ator, o júri presidido pela atriz francesa Juliette Binoche acertou ao dar o troféu máximo para o iraniano “It Was Just an Accident”, de Jafar Panahi.

Não só pela qualidade do filme, um drama tenso com toques de humor sobre um mecânico que sequestra seu torturador, colocando em discussão se vale a pena perder a sua humanidade para se vingar daqueles que tentaram removê-la. Mas também pela carreira do cineasta, que 30 anos atrás ganhou a Caméra d’Or, para melhor longa de estreante, em Cannes com O Balão Branco (1995), e desde então acumulou prêmios, incluindo o Leão de Ouro, em Veneza, por O Círculo (2000) e o Urso de Ouro, em Berlim, por Táxi Teerã (2015).

Panahi desafiou o governo iraniano filmando as produções clandestinamente, sem poder acompanhá-las aos festivais de cinema, onde continuou ganhando prêmios. It Was Just an Accident foi inspirado em sua última prisão, em 2022, quando foi se inteirar sobre a situação de seu amigo Mohammad Rasoulof, que dirigiu A Semente do Fruto Sagrado, concorrente ao Oscar de produção internacional em 2025, e que fugiu a pé do Irã por ter sido condenado a prisão e chibatadas.

A Palma de Ouro, então, foi a consagração de um cineasta de carreira brilhante e de um homem corajoso que luta pela liberdade de seu país colocando-se em risco – pouco antes de Cannes, grande parte da equipe foi chamada para interrogatórios. Panahi não sabe o que vai acontecer em sua volta, mas afirma que não tem medo. “Não estou fazendo nada mais heroico do que todos os iranianos fazem”, disse na coletiva de imprensa do filme.

Um pouco depois, ele afirmou ser surreal jogar um artista na prisão, porque isso lhe dá ideias. “Foi a República Islâmica do Irã que me jogou na prisão, foi a República Islâmica do Irã que fez este filme. Ela deveria entender que, ao jogar um artista na prisão, precisa arcar com as consequências. Graças à tecnologia, nenhuma instância de poder pode impedir um artista de fazer seu trabalho. Mesmo em uma cela o artista vai continuar se expressando. Mesmo em segredo.”

A vitória de It Was Just an Accident interrompe uma sequência de quatro anos de Palmas de Ouro para filmes europeus ou norte-americanos falados em francês ou inglês: Titane (2021), Triângulo da Tristeza (2022), Anatomia de uma Queda (2023) e Anora (2024). Nenhum dos seis filmes falados em inglês na competição deste ano saiu com prêmios de Cannes. Esses dois dados podem apontar para uma influência menor do Festival de Cannes no Oscar deste ano.

Ainda assim, já faz anos que longas-metragens revelados em Cannes acabam tendo uma carreira longa que vai até o Oscar. É o caso do sulcoreano Parasita (2019), por exemplo. E pode ser o caso tanto de It Was Just an Accident – cuja distribuidora norte-americana vai ter de superar o fato de que o Irã dificilmente vai indicar o filme na categoria filme internacional – quanto do brasileiro O Agente Secreto, ou do norueguês Sentimental Value, de Joachim Trier, vencedor do Grande Prêmio do Júri.

O longa de Kleber Mendonça Filho é um filme que, mesmo muito brasileiro, comunicou-se muito bem com a plateia multinacional do Festival de Cannes, o que é ótimo sinal. Wagner Moura, um ator conhecido do público internacional, também pode chegar com chances no Oscar.

Tudo vai depender, lógico, do panorama que vai se desenhar até lá e da campanha. O Agente Secreto já tem distribuição nos Estados Unidos pela Neon, a mesma companhia por trás das campanhas vencedoras de Anora e Parasita. No Reino Unido e na América Latin, será distribuído pela Mubi; no Brasil, pela Vitrine. A questão é que a Neon também tem os direitos nos Estados Unidos para It Was Just an Accident, Sentimental Value e Sirât, de Oliver Laxe, que dividiu o prêmio do júri em Cannes com Sound of Falling.

As duas vitórias de O Agente Secreto foram o final perfeito para uma participação recorde do Brasil. Nunca se ouviu tanto português na Croisette. O país apareceu com a coprodução O Riso e a Faca, de Pedro Pinho; Para Vigo Me Voy!, de Lírio Ferreira e Karen Harley; com o curta Samba Infinito, de Leonardo Martinelli; e com os quatro curtas cearenses do projeto Factory. Marianna Brennand, de Manas, foi eleita talento emergente do projeto Women in Motion. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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