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Globo e Drauzio Varella não terão que indenizar pai de garoto morto por mulher trans

Reportagem que motivou ação do pai da vítima de Suzy contra Drauzio Varella foi veiculada pela Globo em 2020. (Foto: Reprodução)

A emissora não é obrigada a produzir suas reportagens sobre as péssimas condições dos presídios brasileiros, tendo que mostrar os crimes praticados pelas presas entrevistadas, se o objetivo não era historiar o fato criminoso, mas sim as péssimas condições de carceragem das detentas transexuais, nisso residindo a sua liberdade de imprensa.

Com base nesse entendimento, a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença de primeiro grau e isentou a Rede Globo e o médico Drauzio Varella de indenizar o pai do garoto assassinado no “caso Suzy”.

O caso se tornou notório após a veiculação de uma reportagem no programa Fantástico que tratava do preconceito e abandono sofridos por mulheres transexuais no sistema carcerário em março de 2020. No material jornalístico, a detenta Suzy de Oliveira afirma que não recebia visitas havia oito anos.

Suzy foi condenada por ter estuprado e assassinado uma criança. O pai da vítima acionou a Justiça sob a alegação que sofreu um novo abalo psicológico ao reviver os fatos em razão da grande repercussão da reportagem. Em primeira instância, o médico e a emissora haviam sido condenados ao pagamento de indenização de R$ 150 mil.

“Até se entende a revolta do autor, mas, admitir as suas alegações é direcionar a reportagem ao sabor da sua vontade pessoal, de forma a desvirtuá-la. Nela, realmente, não se menciona o crime sofrido pelo filho do autor, nem o nome da vítima. Nem deveria, pois tinha por finalidade mostrar a vida difícil das mulheres trans nas prisões, a precariedade do sistema penitenciário, além do preconceito contra as suas pessoas. Não seus crimes”, pontuou o relator, desembargador Rui Cascaldi.

Ao acolher o recurso da Globo e de Drauzio Varella, o magistrado afirmou que, somente se a reportagem tivesse feito menção ao crime cometido por Suzy, teria atingido a intimidade do autor, porque o teria feito reviver os fatos contra os quais, certamente, luta para esquecer.

“Mas, mostrar as péssimas condições carcerárias em que inseridas as detentas trans, o preconceito contra elas, etc., mediante entrevistas, exibição das condições em que reclusas, o excesso de população carcerária, com exposição de seus sofrimentos, não é imoral, muito menos, ilegal. É, na verdade, lícito, porque a nossa Constituição garante condições dignas ao preso, estando a reportagem, justamente, a denunciar as más condições vividas pelas detentas”, afirmou.

Para o relator, mostrar detentas trans de forma a gerar solidariedade e compaixão, para que a reportagem atinja as autoridades responsáveis pelo sistema penitenciário, pode não agradar aqueles que um dia se viram feridos pelas pessoas encarceradas, mas é lícito e não tem o condão de causar dano moral a nenhuma das vítimas, que sequer são mencionadas.

“E, note-se, não foi dito na reportagem que elas não praticaram crimes. Ao contrário, até se mostrou um gráfico com a maior incidência das detentas trans no crime de roubo, e com menor percentual de incidência no de homicídio. Por fim, não se percebe da reportagem nenhuma intenção velada de ferir eventuais vítimas dos crimes cometidos pelas entrevistadas”, concluiu. A decisão foi unânime. As informações são da Revista Consultor Jurídico.

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