Em meio a críticas ao presidente dos Estados Unidos Donald Trump pela imposição do tarifaço, governadores de direita brasileiros têm recorrido cada vez mais ao líder argentino Javier Milei, como referência política e econômica. O vizinho tem sido visto como exemplo pela condução da crise gerada pelas novas tarifas americanas e por sua agenda de cortes de gastos, enquanto se mantém ideologicamente afastado do governo Lula.
A aproximação entre o líder argentino e governadores que disputarão o espólio do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2026 seria consagrada ainda neste mês em um encontro promovido pela Consulting House, grupo que busca conectar lideranças políticas a empresários. A participação de Milei, no entanto, foi cancelada. Essa, no entanto, não seria a primeira sinalização recente de afinidade do grupo com Milei.
Na semana passada, o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), recebeu o secretário de Turismo, Esporte e Meio Ambiente da Argentina, Daniel Scioli. Ex-embaixador no Brasil durante o governo Bolsonaro, ele deixou o cargo para integrar a gestão Milei.
Desde então, tem voltado ao país para estreitar laços, com ações que incluem passagens aéreas promocionais para brasileiros que vão a cidades como Buenos Aires, compradas na Aerolíneas Argentinas, companhia área estatal.
O tema da conversa com Jorginho foi, no entanto, de olho no trajeto inverso: a atração de turistas argentinos para o Estado. Florianópolis foi o destino brasileiro mais buscado para o verão de 2025, de acordo com a plataforma de reserva de hotéis Booking.com, e recebe um grande fluxo de argentinos.
“A Argentina é uma grande parceira. No verão, Santa Catarina se torna uma extensão do país. Queremos ampliar ainda mais essas conexões e gerar oportunidades de negócios”, afirmou Jorginho na ocasião.
O encontro não foi o primeiro de Jorginho com a cúpula do governo argentino. No ano passado, ele recebeu Milei em Balneário Camboriú (SC) para a Conferência da Ação Conservadora (CPAC) ao lado de Bolsonaro. No ano anterior, ambos estiveram em Buenos Aires para a posse de Milei, junto de governadores como Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, e Cláudio Castro (PL), do Rio. À época, a vitória de Milei também foi celebrada pelo governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD). “A liberdade venceu”, escreveu no X.
O nome do presidente argentino voltou a ser reverenciado recentemente pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), como uma liderança que buscou negociar com o presidente americano diante do tarifaço:
“Outras nações sentaram à mesa, mas o Brasil se isolou. Há que se ofertar ao brasileiro uma condição de tranquilidade. Ninguém suporta mais esse quadro de um governo que não faz por onde para proteger o seu país”, disse.
Usado para criticar a atuação de Lula, o assunto tem gerado embaraços para Caiado e outros governadores de direita que, no passado, celebraram a vitória de Trump. Segundo dados da pesquisa Genial/Quaest, 71% da população acredita que o presidente americano está errado em impor novas tarifas ao Brasil.
“Eles agora precisam equilibrar os pratos, por terem que atuar com responsabilidade com seus próprios estados e redutos eleitorais, mas, ao mesmo tempo, são pressionados a se manterem alinhados com os seus interesses ideológicos”< diz Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper.
Além de Caiado, Tarcísio enfrenta o mesmo dilema, já que São Paulo é o Estado cujo setor produtivo é um dos mais afetados pelo tarifaço. Ao mesmo tempo, ele tenta não tensionar a relação com aliados de Bolsonaro. Assim que a taxação americana foi anunciada, o governador tentou negociar junto à Embaixada dos EUA, o que gerou um atrito com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).