Homens vivem menos e morrem mais cedo. Mulheres vivem mais, mas passam grande parte da vida com dores crônicas, sofrimento mental e sobrecarregadas devido à jornada tripla, que envolve o trabalho e os cuidados com os filhos e a casa. Essa não é apenas uma impressão popular ou uma máxima repetida em consultórios – é a conclusão de um novo estudo publicado pela The Lancet Public Health, que analisou os dados do Estudo Global de Carga de Doença de 2021, o maior levantamento já realizado sobre enfermidades e mortalidade no mundo.
Os resultados mostram que os homens têm maior probabilidade de morrer prematuramente por 13 das 20 principais causas de morte e doenças avaliadas pelos pesquisadores, entre elas covid, doenças cardiovasculares, acidentes de trânsito e câncer de pulmão. Já entre as mulheres prevalecem doenças crônicas e não fatais, como dor lombar, transtornos mentais e cefaleias (tanto enxaqueca quanto a dor de cabeça tensional).
O estudo não aborda doenças específicas de gênero, como câncer de mama ou de próstata. O foco dos pesquisadores foi entender as diferenças em condições comuns a todos, mas que afetam homens e mulheres de formas distintas – e, muitas vezes, desiguais.
Doenças
O levantamento mostra que os homens responderam por 45% mais casos e mortes por covid-19 em 2021 do que as mulheres.
De acordo com Marcus Villander, especialista em Clínica Médica e membro da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, existem algumas hipóteses bem fundamentadas para justificar a diferença nesse caso. “Do ponto de vista biológico, os homens têm maior expressão do receptor da ECA (presente na superfície de muitas células), que é uma porta de acesso do coronavírus. Isso permite que o vírus entre com mais facilidade nas células deles e induza uma resposta inflamatória mais intensa, tornando a infecção pela covid-19 mais severa”, descreve.
Vale destacar que o mesmo percentual de excesso (ou seja, 45%) é observado nas doenças cardiovasculares, que continuam liderando o ranking global de mortalidade. Outras causas frequentes e evitáveis de morte são acidentes de trânsito, cirrose hepática e câncer de pulmão – sobretudo entre jovens adultos em idade reprodutiva.
Sofrimento feminino
Se por um lado os homens morrem mais cedo, as mulheres pagam um preço alto por viver mais: elas padecem mais com doenças que não matam, mas geram dor, incapacidade e sofrimento crônico. Entre elas as mais frequentes são dor lombar, ansiedade, depressão, demência e enxaquecas.
“Essas condições refletem uma soma de fatores biológicos e sociais”, avalia Figueiredo Neto. “Há flutuações hormonais ao longo da vida, maior sensibilidade à dor e uma carga mental e emocional imensa associada ao cuidado com filhos, pais, casa, trabalho. Ainda existe uma cultura que exige da mulher múltiplos papéis, mas não oferece suporte proporcional”, pontua o especialista.
Na prática clínica, essas doenças são reais e frequentes, informa Villander. “É o que a gente vê todos os dias no consultório. As mulheres buscam mais atendimento, sim, o que ajuda no diagnóstico, mas também carregam uma sobrecarga mental e física que não é valorizada. Muitas vezes, suas queixas são desqualificadas como ‘exagero’”, comenta.
Maria Cristina alerta para a invisibilidade dessas enfermidades nas políticas públicas. “São doenças que não entram nas estatísticas de mortalidade, mas causam sofrimento diário e perda de qualidade de vida. Precisamos ampliar o financiamento e a atenção à saúde mental, à reabilitação e à dor crônica no SUS, especialmente voltado para mulheres”, alertou.