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Hospital Parque Belém: entre neblinas, esperanças e a longa travessia da insolvência

A história de um hospital que moldou a saúde pública de Porto Alegre — e que agora começa a pagar seus trabalhadores esquecidos pelo tempo Há edifícios que parecem respirar. O Hospital Parque Belém, erguido entre a neblina da zona sul e o canto constante das árvores antigas, é um desses lugares onde a história se aninha nas paredes. Sua trajetória se confunde com a própria construção da saúde pública de Porto Alegre — e, como toda grande narrativa, teve dias de glória, de luta e de silenciosas despedidas.

Na data de hoje, o Juízo da Vara Regional Empresarial recebeu dos administradores judiciais Estevez e Guarda o “Plano de Pagamento” dos credores trabalhistas, além dos extraconcursais. É um lampejo de luz para médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares de limpeza e tantos outros que dedicaram décadas ao hospital e ainda aguardavam suas verbas rescisórias. É como se, depois de longa noite, uma porta finalmente se abrisse para a reparação.

Nos últimos três anos, atuei como advogado âncora da Associação Sanatório Belém, ao lado da colega Dra. Jéssica Müller que atuava nas questões trabalhistas. Fizemos tudo o que era juridicamente possível para evitar o pedido de insolvência. Contudo, após deliberação da diretoria, a medida tornou-se inevitável. Lamentável, sim — mas necessária para viabilizar, ao menos, parte dos pagamentos devidos.

Uma origem entre médicos, governantes e a luta contra a “peste branca”

O Hospital nasceu como Sanatório Belém, idealizado por médicos tisiologistas que, em janeiro de 1934, reuniram-se no antigo Teatro Coliseu para enfrentar a sombra da tuberculose, a temida “peste branca”. Dessa semente surgiu a Fundação Hospital Sanatório Belém, sociedade filantrópica liderada pelo médico Manuel José Pereira Filho, seu primeiro presidente.

A diretoria inaugural reunia figuras que moldavam o destino da cidade e do Estado: o governador Flores da Cunha, o prefeito Alberto Bins, além de nomes como Oscar Pereira e Osvaldo Vergara. Não era apenas um hospital — era um projeto civilizatório, um pacto social contra uma doença que devastava famílias inteiras.

Escolheu-se, então, o Belém Velho: cerca de 172 hectares de ar puro, mata abundante e vento constante — atributos que, na mentalidade médica da época, funcionavam como bálsamo natural aos enfermos. O arquiteto Ubatuba de Faria desenhou um complexo em estilo art déco, com seis pavilhões dispostos como braços semicirculares abertos ao horizonte, numa metáfora arquitetônica da acolhida.

Da referência nacional ao colapso financeiro

Durante décadas, o Sanatório Belém foi referência brasileira em tisiologia. Assistência, ensino e pesquisa caminhavam entrelaçados, fazendo do hospital uma espécie de “cidade clínica” onde se formaram gerações de especialistas.

Com o avanço dos tratamentos contra a tuberculose, o foco assistencial mudou.

O hospital virou Hospital Parque Belém, passou a receber pacientes psiquiátricos, dependentes químicos e consolidou um forte vínculo com o SUS, atendendo 80% a 90% de usuários nos seus últimos anos.

Mas nenhum organismo resiste indefinidamente sem oxigênio. O corte de repasses públicos municipais agravou uma crise que já era profunda. As dívidas se avolumaram como uma maré que não recua. Em 2017, as portas se fecharam — mais por colapso financeiro do que por opção administrativa.

Em 2018, a Associação São Miguel tentou revitalizar o espaço, sem sucesso.

Depois, a Associação Hospitalar Vila Nova arrematou o complexo, anunciando o futuro Hospital Sinos de Belém, projeto ainda em fase embrionária.

A insolvência e os primeiros sinais de reparação

Em abril de 2024, a Associação Sanatório Belém ingressou com pedido de declaração de insolvência, acolhido pelo Judiciário. Agora, com a atuação técnica dos administradores judiciais e a autorização da Vara Empresarial, os primeiros pagamentos trabalhistas começam a ocorrer dentro da ordem legal.

É pouco diante da grandeza de décadas de trabalho? Sim. Mas é fundamental. É o início de um acerto de contas com homens e mulheres que mantiveram vivo o coração do hospital mesmo quando tudo ao redor desmoronava.

Esta coluna não pretende apenas contar a história de uma instituição: pretende lembrar que hospitais são feitos de gente. E que, ao menos agora, parte dessa gente começa a receber aquilo que lhe é justo.

Que a nova mantenedora, Associação Vila Nova, conduza o futuro do espaço com dignidade e compromisso, fazendo florescer — quem sabe — o tão aguardado Hospital Sinos de Belém.

(Alexandre Teixeira G. de Castilhos Rodrigues é advogado e escritor)

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