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Igrejas evangélicas se multiplicam e furam bolha do catolicismo na Espanha

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabe que precisa se aproximar do segmento, que representa cerca de 30% dos eleitores. (Foto: Reprodução)

Em Madri, na Espanha, existe uma igreja evangélica instalada numa moderna sala de cinema. Nada que soe estranho a um ouvido brasileiro. Mas, aqui, o templo é alugado e compartilha espaço com várias outras salas que exibem blockbusters americanos, num multiplex dentro de um shopping. A popularização das denominações protestantes nesta nação de forte tradição católica é um fenômeno que exige soluções criativas para abrigar o crescente número de fiéis.

Atualmente, há 4.348 templos evangélicos no país, nas contas da ONG Observatório do Pluralismo Religioso, que compila dados do governo e das igrejas. É uma fração dos 178.511 existentes no Brasil. Mas, há 20 anos, havia cerca de mil em toda a Espanha – um crescimento, portanto, de mais de 300%.

Já o número de pessoas que professam a fé evangélica é estimado pela Federação das Entidades Religiosas Evangélicas da Espanha (Ferede) em 1,5 milhão. Em 1945, primeiro ano com dados oficiais disponíveis, os evangélicos nem sequer eram contabilizados, tão poucos eram, e 98,2% da população se diziam católicos.

A redução lenta e constante no percentual de seguidores da Igreja romana (atualmente, não passam de 75%) é uma das explicações, segundo estudiosos do tema.

Evangelização inversa

Sobretudo, porém, é a robusta chegada de imigrantes vindos da América Latina e de outras regiões com forte presença evangélica a responsável por um fenômeno que vai mudando a cara dos cristãos por aqui. E que se traduz na presença de cultos evangélicos regulares em línguas tão variadas como português, chinês, romeno ou inglês africano, com toques de idiomas como o iorubá.

“Estou há nove anos na Espanha. De três anos para cá, tenho visto uma multiplicação mais forte das igrejas evangélicas. A América foi evangelizada por eles, pelos católicos. Agora, nós (latino-americanos) estamos promovendo aqui uma re-evangelização”, disse o pastor Julián Flores, mineiro responsável pelo templo do multiplex, a Igreja Batista Lagoinha Madrid, e pelas outras três filiais espanholas desta popular denominação nascida no final dos anos 1950 em Belo Horizonte. “Já temos 50 templos na Europa, o crescimento é constante.”

Flores tem uma lista detalhada dos fiéis que frequentam as celebrações em português da Lagoinha Madrid. Conta com uns 400 nomes. Um coletivo que parece se conhecer e se chamar pelo nome, enquanto confraterniza após cada culto marcado por shows de bandas gospel, pregação e a difusão dos projetos sociais e de evangelização para os quais se pedem doações aos fiéis, que podem ser feitas pelo Pix do Brasil. O sentimento de comunidade é notável.

“Venho desde que abriu, em 2016. Me sinto muito acolhida. Na nossa língua nativa, a mensagem de Deus chega mais fácil ao coração. Antes, o preconceito era grande. Agora meus amigos na faculdade querem saber mais”, contou, depois de um culto em português, a jovem Laís Galván, natural de Ribeirão Preto (SP) e estudante de Direito e Administração na Universidade Autônoma de Madri.

Naquela noite, o engenheiro informático cubano Héctor Rizo conversava com amigos brasileiros enquanto o altar era desmontado. Ele não fala português, mas o entende bem e disse se sentir à vontade ali. Como Laís, descreveu uma mudança notável na atitude das pessoas em relação às igrejas evangélicas:

“Antes, espanhóis me perguntavam se sou cristão, já que, para muitos, não há possibilidade de existir cristianismo fora do catolicismo. Hoje está normalizado (ser evangélico). Encontrei esta igreja por acaso. Venho ao culto em português mesmo sem falar a língua, apesar de entendê-la. Tudo aqui é parecido com a igreja que eu já frequentava em Cuba. Me sinto em casa.

Do outro lado da cidade, nos bairros de Usera e Carabanchel”, que concentram a maioria dos latino-americanos e 40% dos brasileiros instalados em Madri – 17 igrejas se apinham num raio de 200 metros ao redor da rua Haya. São denominações como Casa del Padre, Iglesia Cristiana Reconcíliate con Dios e Ministerio Pasión Por Cristo.

Não há dados exatos sobre o número de templos não registrados no Ministério da Justiça da Espanha – responsável pelas autorizações de funcionamento – nem na Ferede. Mas, empiricamente, é possível constatar o funcionamento de vários deles. No bairro de Legazpi, em Madri, uma igreja informal ocupou o subsolo de um edifício residencial por pelo menos dois anos. Foi expulsa recentemente pelos vizinhos, cansados do barulho. Casos assim se repetem na imprensa.

Na Ferede, estão registradas cerca de 3.300 congregações, segundo Jorge Fernández Basso, porta-voz da entidade. O registro ali não é obrigatório, mas permite à igreja aproveitar uma das grandes vantagens de que gozam essas e outras denominações religiosas: isenções fiscais variadas.

“Qualquer que seja o número exato, já somos a segunda confissão religiosa em toda a Espanha, atrás apenas da Igreja Católica, que tem 22 mil templos. Estamos à frente dos muçulmanos, que têm 1.751 lugares de culto”, comparou. As informações são do jornal O Globo.

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