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Uma infectologista acompanhou a Aids no Brasil e vê semelhanças da doença com o coronavírus

Ana Beatriz Sampaio vê semelhanças entre as duas doenças. (Foto: Arquivo pessoal)

A infectologista Ana Beatriz Sampaio, do serviço de atendimento especializado às pessoas com HIV do Hospital Escola São Francisco de Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trata de pacientes soropositivos desde o início da pandemia da aids, nos anos 1980, e agora está envolvida com a de covid-19 — causada pelo Sars-coV2, ou novo coronavírus.

Ela diz que, se no passado não se conhecia quase nada sobre a causa da aids, hoje sabe-se muito pouco sobre a covid-19. “Naquela época, a grande maioria dos pacientes soropositivos adoecia e morria de aids. Não havia tratamento 100% eficaz, assim como não há para covid-19. A cloroquina se mostrou ineficiente em estudos pequenos. Outros, mais robustos, estão em andamento. E há pesquisas sendo feitas com vários medicamentos.”

Coincidentemente, uma das drogas que se revelaram promissoras no tratamento do novo coronavírus é um antirretroviral chamado lopinavir-ritonavir, que pertence a uma classe de medicamentos usados no combate ao HIV. “Os resultados iniciais foram razoáveis, mas é preciso provar a eficácia, ou não, em mais estudos.”

Mestre em doenças infecciosas e parasitárias pela UFRJ, Ana Beatriz fala na entrevista abaixo da época em que a aids era tratada como “câncer gay”; do preconceito enfrentado pelos homossexuais na aids, e pelos idosos na pandemia do covid-19; e da obstinada corrida, em ambos os casos, pela descoberta de uma vacina.

Você sempre tratou de pacientes com aids, e hoje atende também infectados pelo Sars-CoV2. Dá pra comparar? Nós, infectologistas, observamos algumas semelhanças. Em linhas gerais, tínhamos/temos que enfrentar uma doença sobre a qual não sabíamos nada (aids anos 80) ou sabemos muito pouco (covid-19 agora).

A situação só melhorou no meio médico depois que isolaram o vírus (HIV), em 1983, e descobriram como se dava a transmissão. Mas fora dali, o medo e o preconceito permaneceram por muito tempo, o que levava à discriminação e ao isolamento social dos pacientes.

Na pandemia do HIV/aids, o preconceito era em relação aos gays. Hoje, é com os idosos: há quem defenda que eles, por já estarem “mais perto do fim”, podem ser sacrificados prioritariamente para dar lugar a pessoas mais jovens nos hospitais. Esse preconceito pode interferir negativamente na recuperação do paciente? Apressar sua morte, por exemplo? Preconceito só atrapalha. E sim, pode matar. O paciente que é chamado de “velho”, e se sente socialmente excluído, precisa ter uma força psicológica extra.

A aids, há até pouco tempo, era “doença de gay”, ou de “gente promíscua” — o tom era carregado de julgamento moral. Só que, aí, as estatísticas mostraram que a infecção pelo HIV pode atingir todo mundo, assim como a covid-19. Em ambos os casos, o vírus não escolhe raça, gênero, idade, opção sexual.

Contudo, ainda há bastante preconceito, especialmente entre os pouco informados. Informação salva vidas. A boa informação, claro.

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