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João Havelange, o polêmico dirigente que mudou a cara da Fifa

Havelange surge como um gângster visionário em "Jogo da Corrupção". (Foto: Reprodução)

O destino de João Havelange, que faleceu ontem, aos 100 anos, após complicações de uma pneumonia, estava escrito antes mesmo do seu nascimento. O seu pai, o belga Faustin Havelange, sonhava fazer a viagem inaugural do Titanic. Já tinha a passagem comprada, mas perdeu o embarque no famoso transatlântico que afundou durante o percurso entre Inglaterra e Estados Unidos, em abril de 1912. Quatro anos depois, nascia no Rio de Janeiro o homem que comandava o futebol brasileiro na conquista dos seus primeiros três títulos mundiais, e ficaria marcado pela forma como fez a Fifa emergir como potência durante seus 24 anos de mandato à frente da entidade.

Apenas o tempo dedicado ao esporte, mais de 70 anos, já daria uma vida. Primeiro como atleta: jogou futebol no juvenil do Fluminense, disputou provas de natação nos Jogos Olímpicos de Berlim (1936) e jogou pólo aquático nos Jogos de Helsinque (1952). A partir da eleição para a presidência da antiga CBD (Confederação Brasileiro de Desportos, que originou a atual CBF), em 1958, deu início a uma bem-sucedida carreira de mais de meio século como dirigente esportivo, cujo ponto máximo foi o período em que presidiu, e revolucionou, a Fifa, entre 1974 e 1998.

Havelange era presidente da Fifa até 2013, quando perdeu o título por causa de denúncias de corrupção. O caso mais grave envolve a ISL, empresa que vendia direitos de TV da Fifa. Um tribunal suíço concluiu que o brasileiro seria um dos que se beneficiavam da propina, que chegaria a 6 milhões de libras esterlinas (30 milhões de reais).

Dois anos antes, ele já havia deixado de ser membro do COI (Comitê Olímpico Internacional) por causa das mesmas denúncias. O caso, segundo relatório do Comitê de Ética da Fifa, em 2013, ocorreu entre os anos de 1992 e 2000, envolvendo também Ricardo Teixeira, ex-genro de Havelange e presidente da CBF no período em questão.

Empresário de sucesso.

Havelange era formado em Direito, e foi empresário de sucesso, antes e mesmo durante a sua trajetória como dirigente esportivo. Abandonar antigos afazeres nunca fez parte da sua personalidade. Atleta das piscinas na juventude, jamais deixou de nadar e, já nonagenário, ainda cumpria uma rotina diária de 1,2 mil metros de natação. Quando chegou à presidência da CBD, o Brasil vinha de duas Copas frustrantes – a de 1950, perdida em casa, e a de 1954, marcada pela desorganização da equipe nacional, dentro e fora de campo. Coube a um “homem da natação” levar o Brasil à sua época de ouro, apresentando ao mundo a geração que marcou o futebol do país como o mais respeitado no planeta.

“Disseram que eu não entendia nada de futebol, o que deve ter sido muito bom, pois foi comigo na CBD que ganhamos a primeira Copa do Mundo”, afirmou ele, no fim de 2009.

Em 1971, com o Brasil já tricampeão mundial, Havelange foi indicado por unanimidade, como candidato à presidência da Fifa, na eleição que se realizaria três anos depois. Stanley Rous, presidente desde 1961, era candidato à reeleição. Mesmo tendo “pavor de voar”, aceitou o desafio de visitar 86 países em dois anos e meio. Fotografava os delegados que tinham direito a voto para memorizar suas fisionomias e evitar gafes que poderiam comprometer sua campanha. Derrotou Stanley Rous por 62 votos a 56.

Havelange encontrou uma Fifa administrada quase como uma empresa de fundo de quintal. Secretário-geral de Rous por mais de 20 anos, Helmut Kasser vivia com a família no segundo andar da sede. Havelange profissionalizou a gestão da entidade: uma de suas primeiras providências foi adquirir uma casa “digna do secretário-geral da Fifa” para Kasser. O brasileiro adotou um sistema de patrocínio para a menina dos olhos da Fifa, a Copa do Mundo, que tornou a entidade forte economicamente, com condições para se sustentar mesmo que viesse a sofrer um baque como o da década de 1940, quando a Segunda Guerra Mundial impediu a realização de duas edições do Mundial (1942 e 1946). Com dinheiro em caixa, Havelange passou a tocar outro projeto: a globalização do futebol. E a expansão também para outros segmentos: em 1977 foi realizado o primeiro Mundial Sub-20, e, em 1985, nasceu o Mundial Sub-17. As mulheres também passaram a ter a sua Copa do Mundo quadrienal, a partir de 1991, e hoje elas já contam com versões Sub-20 e Sub-17, como os homens.

Mesmo se tornando um “homem do futebol”, Havelange nunca se esqueceu dos esportes olímpicos. Ele colaborou decisivamente para levar para a cidade que o pai belga adotou como sua os Jogos de 2016. (AG)

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