Ícone do site Jornal O Sul

Líder supremo do Irã chefiará uma nação muito diferente quando sair do seu esconderijo

A guerra das últimas semanas enfraqueceu significativamente o Irã e seu líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei. (Foto: Reprodução)

Após cerca de duas semanas recluso em um local secreto, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, voltou a aparecer publicamente em meio ao cessar-fogo entre seu país e Israel. A pausa no conflito, negociada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e pelo emir do Catar, xeque Tamim bin Hamad al-Thani, pode representar não apenas uma trégua militar, mas também um momento crítico para o futuro político do Irã.

Em vídeo divulgado na quinta-feira (26), Khamenei, de 86 anos, afirmou que “nada de significativo” ocorreu nas instalações nucleares atingidas por ataques americanos no início da semana. Foi seu primeiro pronunciamento desde o início da escalada militar. Há indícios de que ele esteve incomunicável, inclusive com membros do alto escalão do governo iraniano, temendo ser alvo de um ataque israelense.

Segundo fontes próximas ao governo dos EUA, Trump teria aconselhado Israel a não assassinar Khamenei. No entanto, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não teria descartado completamente essa possibilidade.

Caso Khamenei decida sair do isolamento, encontrará um país enfraquecido militar e economicamente. Especialistas avaliam que a guerra não apenas expôs vulnerabilidades do regime iraniano, mas também acelerou tensões internas e externas que já vinham se acumulando há anos.

Infraestrutura militar abalada

Durante o conflito, Israel assumiu rapidamente o controle de áreas estratégicas do espaço aéreo iraniano e lançou uma série de bombardeios contra bases militares e instalações da Guarda Revolucionária. Entre os alvos, estavam também instalações nucleares — que, embora não tenham sido completamente destruídas, sofreram danos cuja extensão ainda está sendo avaliada.

As perdas incluem a morte de importantes comandantes militares e danos significativos à infraestrutura de defesa do país. O esforço militar contínuo, aliado às sanções internacionais, já consumia uma parcela substancial do orçamento nacional antes mesmo do conflito. A guerra agravou ainda mais essa situação.

As instalações nucleares, que foram o centro de um ambicioso projeto estatal nas últimas décadas, renderam ao Irã sanções internacionais que custaram centenas de bilhões de dólares à economia nacional. Agora, com os bombardeios, muitos iranianos se perguntam se os sacrifícios valeram a pena.

Pressão interna e questionamentos

Analistas afirmam que o aiatolá Khamenei enfrentará crescentes críticas internas. Muitos iranianos o responsabilizam por conduzir o país a um confronto direto com Israel e Estados Unidos — e por insistir na retórica de destruição do Estado de Israel, que parte da população já não apoia.

A crença de que o poderio nuclear garantiria a invulnerabilidade do regime também é cada vez mais contestada. A economia iraniana, antes entre as maiores exportadoras de petróleo do mundo, está enfraquecida e isolada.

“Este parece o início do fim”, afirma a professora Lina Khatib, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. “Ali Khamenei provavelmente será o último ‘Líder Supremo’ da República Islâmica, no pleno sentido da expressão.”

Há relatos de que acadêmicos religiosos da cidade sagrada de Qom — tradicionalmente independentes do governo — estão sendo procurados por ex-integrantes do regime para discutir possíveis mudanças na liderança.

“O clima é de apuração”, afirma o professor Ali Ansari, da Universidade de St. Andrews, no Reino Unido. “É evidente que há profundas divisões entre os líderes e insatisfação crescente entre a população.”

Resistência popular

Durante a guerra, apesar das divergências políticas, muitos iranianos se mobilizaram para apoiar suas comunidades. A população organizou abrigos, distribuiu alimentos e ajudou civis deslocados pelos ataques.

Essa solidariedade, porém, não se traduziu em apoio ao regime. Pelo contrário, diversos relatos apontam que o sentimento dominante era de defesa da nação, não do governo.

A possibilidade de uma mudança de regime permanece incerta. Embora muitos desejem transformações políticas, uma intervenção estrangeira para derrubar o governo atual é rejeitada por parte da população.

“A oposição doméstica dificilmente será capaz de derrubar o regime”, diz Khatib. “O governo ainda tem controle interno e poderá intensificar a repressão para sufocar dissidências.”

Mesmo com décadas de repressão e a eliminação sistemática da oposição organizada — seja por prisões, exílios ou censura —, Khamenei agora enfrenta uma população mais crítica, conectada e disposta a desafiar os limites impostos pelo regime.

A trégua atual pode não durar, e o futuro político do Irã permanece incerto. Mas os sinais de desgaste do sistema liderado por Khamenei são, para muitos analistas, mais visíveis do que nunca.

Sair da versão mobile