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Lojistas atribuem queda nas vendas ao aumento de gastos da população em apostas esportivas

As apostas esportivas invadiram o mercado brasileiro nos últimos anos. (Foto: Reprodução)

O brasileiro tem utilizado os recursos que guarda na poupança para tentar a sorte nas “bets”, as apostas esportivas que invadiram o mercado nos últimos anos. As classes de renda mais baixa (C, D e E) têm participado mais ativamente desses jogos on-line do que a população de maior renda (A e B), mostra o primeiro estudo sobre o tema do Instituto Locomotiva, obtido pelo jornal Valor Econômico.

Os jogos esportivos on-line foram regulamentados por meio da Lei 14.790/23, sancionada em dezembro, e que permite que empresas privadas operem no segmento.

O aumento nos gastos no setor vem preocupando especialmente o varejo alimentar, cujas vendas são mais dependentes da renda familiar do que de crédito. Na metade do ano passado, varejistas e atacadistas identificaram, em pesquisas internas com consumidores, um crescimento no direcionamento da renda para as “bets”, e a Locomotiva foi contatada para tentar mapear melhor esse movimento, apurou o Valor.

Com base nos números da balança de pagamentos do Banco Central (BC), que trazem cálculos aproximados do montante que passa pelas contas de apostas e jogos on-line, a soma movimenta o equivalente a 8,5% do faturamento anual do setor de supermercados, hipermercados e atacarejos – este é o maior segmento de varejo do país.

As empresas do setor estimam cerca de R$ 60 bilhões (US$ 12 bilhões a US$ 12,5 bilhões) em jogos digitais no ano de 2023, segundo projeção anualizada com base em dados do BC até novembro. E o varejo alimentar físico e digital deve movimentar cerca de R$ 700 bilhões no ano.

De acordo com o levantamento da Locomotiva, 51% dos brasileiros ouvidos pela pesquisa têm utilizado recursos que iriam para a poupança, no fim do mês, nas apostas (é o maior índice da pesquisa) e 48% tem redirecionado o dinheiro gasto em bares, restaurantes e delivery. Outros 45% desviaram de diferentes tipos de jogos (como loterias) e 41% da compra de roupas e acessórios (eram questões de múltipla escolha aos entrevistados).

Quase metade (48%) diz que se parasse de apostar, usaria os recursos para reforçar a poupança.

Foram ouvidas 1.007 pessoas, acima de 18 anos, em 203 cidades, entre os dias 2 e 11 de dezembro, e a amostra foi ponderada segundo perfil da população brasileira no IBGE. A margem de erro é de 3,1 pontos.

Na avaliação de Renato Meirelles, presidente da Locomotiva, empresa de pesquisas, as “bets” conseguiram um “feito” ao unir num único produto vários aspectos que atraem a audiência.

“Quem aposta acredita que está dando uma chance ao seu conhecimento, a tudo que ele entende de futebol ou de algum outro esporte. O consumidor não acredita que está só fazendo uma ‘fezinha’, mas que tem a ver com o seu talento e com a informação que ele tem”, diz. “Afinal todo brasileiro acredita que um técnico de futebol”.

Além disso, ainda pesa o fato de ser um produto que explora o apelo da “gamificação”, que envolvem dinâmicas lúdicas, com foco no entretenimento, gerando engajamento, e ainda há o próprio formato do serviço. “Você pode jogar durante a partida, em tempo real, assistindo o jogo com o celular na mão. São muitos estímulos envolvidos”, afirma.

Pelos dados, 29% da população adulta já fez apostas em sites e “apps” especializados, número que representa 44,8 milhões de pessoas nessa faixa etária – reflexo, em parte, do forte investimento em mídia que as marcas têm feito em veículos tradicionais e digitais, além da escalada nos patrocínios dos times de futebol.

A taxa supera atividades como bingo, caça-níqueis e poker, e quase empata com as apostas informais (como os bolões), com 31%.

Ao se considerar aqueles declarados usuários, quase 70% joga pelo menos uma vez ao mês – equivalente a quase 31 milhões de adultos. Um a cada quatro testa a sorte mais de uma vez por semana ou todos os dias da semana.

Entre as classes sociais, 30% daqueles pertencentes às camadas C, D e E já jogou ou costuma jogar nas “bets” de esportes – só perde para loteria federal e jogo do bicho. Na população A e B, esse índice é menor, de 24%, ficando apenas em quinto lugar entre as escolhas.

“Temos reforçado que o uso de reservas de emergência, como da poupança, para essas apostas é algo de altíssimo risco, pela elevada probabilidade de perda de todo o capital colocado, o que acaba pesando no fim do mês no orçamento familiar”, diz Hugo Alex, planejador financeiro pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro.

“É importante investir com finalidade específica, e não deixar que o jogo afete o compromisso com o investimento”, afirma o professor Jomar Miranda Rodrigues, do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da UnB. As informações são do jornal Valor Econômico.

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