Pelo menos sete integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) já negaram vínculo de emprego entre trabalhadores e plataformas de aplicativos de transporte ou entrega em decisões monocráticas (de um só ministro) ou de turma. Os posicionamentos são um indicativo de que as empresas podem vencer a discussão, que será analisada em repercussão geral – como decidiram os ministros em julgamento finalizado na última sexta-feira (1º), no Plenário Virtual.
Nessas decisões, dadas geralmente em reclamações, os ministros derrubaram sentenças ou acórdãos da Justiça do Trabalho que haviam reconhecido a relação de emprego. Para eles, estariam violando a jurisprudência do STF em processos com discussões semelhantes, como a que validou a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim.
Os ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Nunes Marques e Dias Toffoli já se manifestaram contra o vínculo de emprego, em decisões monocráticas. A ministra Cármen Lúcia também seguiu esse caminho, mas em decisão de colegiado. Acompanhou o relator em sessão da 1ª Turma que negou vínculo de um motorista com a Cabify, que não opera mais no Brasil.
O ministro Nunes Marques, ao cassar uma decisão trabalhista contra o aplicativo de entregas Moovery, entendeu que “não foi fornecido qualquer elemento concreto que indique exercício abusivo da contratação com a intenção de fraudar a existência de vínculo empregatício”. Assim, diz, “o acórdão reclamado está em descompasso com a orientação desta Corte firmada no julgamento da ADPF 324”.
Ao todo, foram localizadas 15 reclamações sobre o tema, entre julho de 2023 e fevereiro deste ano, mapeadas pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão “O Trabalho além do Direito do Trabalho”, da Universidade de São Paulo (USP), em convênio com a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). O estudo foi compartilhado com exclusividade com o Valor.
Guilherme Guimarães Feliciano, coordenador do núcleo de pesquisa e juiz da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté (SP), reconhece que as decisões do STF são até então desfavoráveis aos motoristas e entregadores, mas nada impede que haja uma mudança de entendimento. Ele defende que, na repercussão geral, não seja aplicada a tese da terceirização.
“Tenho dúvidas da aderência estrita do julgado [na ADPF 324] nos casos das plataformas, porque elas não são meras intermediadoras entre consumidor e prestador de serviço. Isso tem caído por terra no mundo inteiro”, afirma ele, acrescentando que o ideal seria o Supremo, em caso de negar o vínculo de emprego, não afastar a competência da Justiça do Trabalho para analisar fatos e provas em casos concretos em que possa existir fraude da relação contratual, por ferir o artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Enquanto o STF não dá a última palavra sobre o assunto, a primeira e segunda instâncias da Justiça do Trabalho têm dado razão às empresas. Há reconhecimento de vínculo de emprego em apenas 10,26% dos processos julgados (2.653), segundo levantamento da empresa de jurimetria Data Lawyer, divulgado com exclusividade ao Valor. Hoje, há 25,8 mil ações em tramitação, com valor total de R$ 3,36 bilhões.
As decisões que admitem todos os pedidos dos trabalhadores (totalmente procedentes) são apenas 1% (258) do total. A esses casos são somados as parcialmente procedentes, que até agora são 9,26% (2395). As que negam o vínculo (7.132) representam 27,69% do total. Ainda estão pendentes de julgamento 29,94% (5.182).
O número de acordos nos processos é alto: em 29,55% dos casos (7.639) houve negociação firmada entre a empresa e o motorista ou entregador. Na ação que chegou ao STF e esteve em julgamento na semana passada para a definição da repercussão geral, a Uber tentou negociação, mas não foi homologada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). O entendimento foi o de que a empresa, na verdade, buscava não criar uma jurisprudência desfavorável.
No TST, segundo levantamento do órgão, 60% dos processos envolvendo plataformas levados aos ministros entre 2019 e fevereiro de 2024 têm como tema o reconhecimento do vínculo de emprego com trabalhadores. Todas as turmas já se posicionaram, mas de forma bem dividida: enquanto a 1ª, 4ª, 5ª, 7ª e 8ª Turmas negaram vínculos, a 2ª, 3ª, 6ª e 8ª Turmas reconheceram.
De acordo com o advogado que assessora a Cabify e outros aplicativos no STF, Daniel Chiode, do Chiode Minicucci Advogados | Littler, o TST tende a reconhecer o vínculo na Seção de Dissídios Individuais -1 (SDI-1). “Por isso passamos a adotar a estratégia de levar a discussão diretamente para o Supremo, em reclamações. E agora a Uber resolveu entrar com o recurso extraordinário para que seja decidido em repercussão geral e seja adotado em todos os processos”, diz.
No STF, afirma Chiode, já existe uma tendência a favor das plataformas. “Essas decisões decorrem do próprio entendimento já consolidado do STF em reconhecer outras formas de contratação, baseadas na legislação civil. É preciso admitir que o trabalhador de 1942 [época da edição da CLT] é muito diferente do de 2024”, afirma.