O Tribunal de Contas da União identificou mais de dez mil candidatos das eleições municipais de 2020 que receberam o auxílio emergencial de forma indevida. Tatiana da Silva Oliveira, empregada doméstica, tem dois filhos. A caçula com um aninho. Desempregada, conseguiu o auxílio emergencial de R$ 1.200 entre abril e agosto, o que salvou as contas dela. Mas desde setembro não recebe mais o dinheiro.
“O aluguel agora fica sem pagar. Mas o de comer para eles não falta. Mas já conversei com a dona da casa. Ela falou ‘calma’. Aí vou levando”, conta. Essa é a realidade de muitos brasileiros que perderam o auxílio emergencial. Outros receberam o benefício de forma irregular.
O Tribunal de Contas da União encontrou mais de dez mil candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador que declararam patrimônio igual ou superior a R$ 300 mil e receberam alguma parcela do auxílio emergencial até julho de 2020. Quase 2 mil candidatos são do estado de São Paulo, número semelhante em Minas Gerais.
Nessa lista do Tribunal de Contas da União, tem candidato com patrimônio de mais de R$ 1 milhão. Alguns declararam ter carros de luxo, prédios comerciais, fazendas, bem distante da realidade da maioria dos brasileiros que precisam do auxílio emergencial.
“As pessoas têm que parar de querer tirar vantagem em qualquer coisa que vê pela frente. Tem programa social, quer tirar vantagem. Tem enchente, quer tirar vantagem. Tem pandemia, tem que tirar vantagem. O eleitor tem que tentar buscar informação sobre o seu candidato, seja de prefeito ou vereador. Então, nesse caso, essa lista é uma fonte de informação”, avalia Carlos Ranulfo, professor do departamento de Ciência Política da UFMG.
O TCU declarou que os dados são indícios de renda incompatível com o auxílio, mas que há a possibilidade de erro de preenchimento pelo candidato ou de fraudes feitas com dados de terceiros. O tribunal enviou para o Ministério da Cidadania, que já começou a suspender os benefícios irregulares.
“Quando se fala de cidadãos brasileiros que se apresentam nas eleições com uma proposta de representação popular, não basta que esses candidatos respeitem a lei; é preciso que eles tenham o senso de moralidade acima da média. E de modo que quando nos deparamos de uma lista como essa, é algo que nos dá preocupação e uma certa repugnância”, afirma Bruno Dantas, ministro do TCU e relator do relatório.
Samanta perdeu o emprego na pandemia e só agora conseguiu o benefício. “Aqui em casa quem trabalha é só meu marido, meu esposo. A gente tem criança pequena em casa, mora de aluguel, então, está difícil. Tem mês que você tem que escolher: ou você paga água e luz ou você paga aluguel. Está bem complicado”, conta Samanta Lopes dos Santos, operadora de telemarketing. A Justiça Eleitoral declarou que pode utilizar o estudo para identificar irregularidades na prestação de contas dos candidatos.