Os aliados do presidente francês Emmanuel Macron vêm falando da suposta incompetência da líder de extrema direita Marine Le Pen há meses, mas eles começam a se preocupar.
Com os partidos tradicionais da França enfrentando crises, o governo de Macron vê Le Pen como sua principal rival na eleição presidencial do ano que vem. Macron aposta que, mais cedo ou mais tarde, uma grande gafe vai revelar algumas de suas visões mais controversas do passado. Ao dar uma guinada à direita em busca de votos mais moderados, seu cálculo era de que a venceria facilmente.
De fato, Le Pen enfrentou problemas recentemente, quando um grupo de generais aposentados sugeriu uma intervenção militar caso Macron não atue de maneira mais dura contra o terrorismo islamista e as “hordas dos subúrbios”. É o tipo de fala que soa bem na base de Le Pen, mas que traz o risco de assustar eleitores mais moderados, necessários para uma vitória. No passado, tais ideias teriam sido endossadas firmemente por ela.
Le Pen estudou as lições de sua derrota na última eleição presidencial, quando Macron expôs sua ignorância a respeito dos detalhes de políticas públicas e os riscos de sua ideias de deixar a Zona do Euro, que não eram apoiadas pela maior parte dos eleitores. Depois de trabalhar para amenizar sua imagem, ganhou apoio entre as mulheres, jovens e, de acordo com o cientista político Ugo Palheta, homossexuais e judeus. Pesquisas mostram que a diferença para Macron está diminuindo.
O risco de uma vitória de Le Pen é real, diz Clément Beaune, secretário de Estado para Assuntos da União Europeia. Ele diz que a batalha entre Le Pen e seu chefe reflete “o grande debate ideológico de nosso tempo”.
Choque
Pesquisa recente, conduzida depois do assassinato a facadas de uma policial na semana passada, mostrou um salto de oito pontos percentuais de Le Pen, chegando a 35%, empatada com Macron. Apenas o ex-premier Édouard Philippe ficou acima dela em uma pesquisa em que os entrevistados diziam qual figura política gostariam de ver desempenhando papel importante no país no futuro.
Se Le Pen vencer Macron, um defensor do projeto europeu, será um choque para a União Europeia similar à vitória de Donald Trump nos EUA e à votação sobre o Brexit, ambas em 2016. De posse da capacidade de vetar iniciativas comunitárias, ela poderia paralisar o bloco de forma abrupta. Embora não tenha definido seus planos para a política nacional, poderia ser a resposta para eleitores irritados, com baixos níveis de educação, que protestaram contra as reformas pró-mercado que o governo iniciou antes da pandemia.
Christophe Bouillaud, cientista político em Grenoble, diz que, no pior cenário, uma vitória de Le Pen poderia ser acompanhada por distúrbios em projetos habitacionais de baixa renda e por uma guinada gradual rumo ao autoritarismo, com imigrantes e muçulmanos como primeiras vítimas.
“A normalização de Le Pen não significa que ela não possa causar tumultos se for eleita”, disse Antonio Barroso, analista político da consultoria Teneo, em Londres, em uma análise sobre a França.
Quando Le Pen tomou, em 2011, a liderança do partido de seu pai — um ex-soldado acusado de antissemitismo e de torturar argelinos na Guerra de Independência (1954-1962) — ela apresentou um projeto ambicioso para levar a sigla ao patamar dos partidos tradicionais, intensificando seus esforços depois de sua derrota para Macron, em 2017.
Integrantes do partido não podem fazer comentários racistas nas redes sociais e aqueles que não cumprem as regras são cortados. Duas vezes por semana, um grupo de conselheiros conhecidos como “Os Horácios” a brifa sobre temas atuais para garantir que não repita suas performances desastrosas nos debates da campanha passada.
Durante uma performance na TV em março, Le Pen falou por duas horas sobre políticas climáticas e feminismo, disse que não quer mais deixar a União Europeia, apenas consertá-la, discutiu teoria monetária pós-keynesiana e citou estatísticas sobre a dívida pública e o desemprego.
Ela criticou um governo anterior por reconhecer o papel da República de Vichy (1940-1944) no Holocausto e comparou muçulmanos rezando nas ruas à ocupação nazista. Mas, ao ser perguntada sobre o histórico de comentários racistas e xenofóbicos de seu partido, respondeu sem hesitar:
“Não tenho sentimentos negativos em relação a estrangeiros, nem ódio, nem medo.”
