Embora não seja algo novo, o uso de betabloqueadores voltou a ganhar holofotes após aparecer nas redes sociais de alguns influenciadores, especialmente nos Estados Unidos. Esses remédios têm sido citados como uma forma rápida de controlar sintomas físicos da ansiedade, como coração acelerado, mãos trêmulas e suor excessivo. Mas especialistas advertem: o medicamento não trata a causa emocional do problema e não pode ser usado sem orientação médica.
“Os betabloqueadores foram desenvolvidos para tratar condições cardíacas”, explica o cardiologista Fernando Ribas, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo. “Eles inibem receptores específicos de adrenalina no organismo, os betarreceptores, o que reduz efeitos típicos da ansiedade no sistema cardiovascular, como taquicardia, hipertensão e tremores. Esses sintomas, quando controlados, podem fazer a pessoa se sentir melhor durante uma crise de ansiedade”, afirma.
Assim, o uso pontual do propranolol, por exemplo, um dos medicamentos mais conhecidos dessa classe, é relatado em situações de ansiedade de desempenho, como antes de apresentações em público, provas orais ou momentos de grande exposição.
“Se uma pessoa transpira muito ou fica com o coração disparado antes de falar em público, por exemplo, o betabloqueador pode ajudar a reduzir esses sintomas físicos”, afirma a médica psiquiatra Danielle Admoni, supervisora na residência de psiquiatria da Unifesp e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
Ela reforça, no entanto, que a medicação não é um tratamento para a causa dos sintomas. “Ele não trata a sensação de medo, a preocupação ou a tensão antecipatória. Atua apenas no corpo, e não na mente.”
Embora não seja uma medicação nova —o propranolol foi desenvolvido nos anos 1960—, seu uso para controlar sintomas de ansiedade ganhou força novamente em tempos recentes, impulsionado por relatos em redes sociais —e por um mundo em que o ambiente profissional se torna cada vez mais exigente.
“Vivemos hoje em uma cultura do desempenho”, observa Luiz Scocca, médico psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP, membro da ABP e da APA (Associação Americana de Psiquiatria). “Nesse sentido, o propranolol ajuda a controlar as reações físicas do estresse momentâneo, mas precisamos ter cuidado para não banalizar seu uso. Ele não é uma solução rápida para ansiedade e não substitui o tratamento adequado”, alerta.
De acordo com o médico, a facilidade de acesso a alguns betabloqueadores aumenta o risco de uso indevido.
Efeitos e riscos
Do ponto de vista cardiovascular, o uso sem supervisão médica pode trazer consequências sérias. Fernando Ribas, da BP, destaca que os betabloqueadores podem causar crises de asma, bronquite, queda de pressão, desmaios e redução importante da frequência cardíaca.
Além disso, o uso indevido pode mascarar sintomas de doenças cardíacas, como arritmias, atrasando diagnósticos e o tratamento adequados.
Pacientes idosos e pessoas com pressão naturalmente baixa também devem ter atenção redobrada. “Esses grupos podem apresentar hipotensão (pressão baixa) ou bradicardia (batimento cardíaco mais lento) com doses pequenas. Por isso, o uso deve ser sempre avaliado por um médico”, reforça o cardiologista.
O efeito da medicação varia conforme a frequência do uso. “No uso contínuo, o bloqueio cardiovascular é mais duradouro e pode permanecer por até 72 horas. Já o efeito do uso pontual se dissipa após algumas horas”, explica Ribas.
Na psiquiatria, a indicação mais aceita é justamente o uso pontual, por exemplo, antes de uma prova, palestra ou exposição pública. “Para quem tem ansiedade de desempenho, pode ser uma ferramenta válida, desde que associada a um acompanhamento psicológico. A ansiedade precisa ser tratada em sua origem, não apenas controlada nos sintomas”, diz Admoni.
Para especialistas, o principal risco do uso fora de indicação é transformar o remédio em um apoio constante. “Não há dependência física comprovada do propranolol”, explica Scocca. “Mas há risco de dependência psicológica, ou seja, a pessoa acreditar que só consegue enfrentar situações desafiadoras se tomar o medicamento antes. E isso impede o desenvolvimento natural da autoconfiança.”
A psiquiatra Danielle Admoni concorda. “Não adianta usar o remédio apenas na hora da crise e achar que está resolvido. Precisamos entender por que é tão difícil se expor e trabalhar essa ansiedade de forma mais profunda. A medicação pode ajudar a pessoa a realizar algo importante, mas ela não resolve o problema”, diz.
Para os médicos, o recado é claro: o betabloqueador não é uma solução para a ansiedade, e sim uma ferramenta pontual para controlar manifestações físicas.
“É um medicamento para o coração, não para o medo”, reforça Scocca. “O uso responsável exige triagem médica e consciência de que a ansiedade precisa ser cuidada de forma integral, com terapia, acompanhamento psiquiátrico e, quando necessário, antidepressivos.” As informações são do portal de notícias UOL.
