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“Meu instinto de sobrevivência me fez querer me separar, mesmo estando com câncer”, diz Preta Gil

Preta Gil passa pelo momento mais complicado de sua vida. (Foto: Reprodução/Instagram)

“A cada entrevista que dou, são como cinco sessões de terapia seguidas, de tão fundo que mergulho. Enquanto vou falando, vou elaborando tanta coisa. Então, imagina esta entrevista aqui, nesta fase da minha vida”, diz Preta Gil. O alerta não é em vão. A cantora, empresária, produtora, publicitária, atriz, apresentadora e maior fazedora de amigos do Brasil passa, declaradamente, pelo período mais complicado da sua existência. Sem perder a potência, a sensibilidade e a delicadeza.

Diagnosticada com um câncer colorretal em janeiro deste ano, em março ela foi acometida por uma septicemia, fruto de uma infecção pelo cateter da quimioterapia. O episódio envolveu quatro horas de perda de consciência, reanimação e 20 dias de UTI. Mas Preta não se deixou deter. Pelo contrário. Poderosamente, mudou seu olhar em relação à morte, remodelou planos, ajustou sua relação com o tempo e não se intimidou na hora de dar fim, em abril, ao casamento de oito anos com o personal trainer Rodrigo Godoy.

A artista nasceu e cresceu cercada de muitos amigos e agora amplificou ainda mais a rede de amor e apoio. Em função de mudanças no seu tratamento contra o câncer, desde o início de maio mora em São Paulo, na casa da amiga Malu Barbosa, que, com uma disposição inspiradora, acolheu Preta e seu clã – formado por um elenco fixo e incontáveis participações especiais.

Na primeira pergunta já dá para entender por que ela compara esses bate-papos a sessões de análise: sua resposta é fluida, elaborada, com reflexões, cheia de referências, memórias, com piscadas demoradas que acompanham as constatações mais complexas. Algumas vezes adianta a resposta de perguntas ainda nem feitas, tamanha a habilidade em criar conexões. “O câncer tem essa característica física, de você precisar parar para se tratar. Hoje estou bem, e ainda assim agora eu estou conversando com você e sentindo várias sequelas da radioterapia, que não são poucas, mas elas não me paralisam. Intelectualmente estou funcionando muito bem.”

Preta sabe em detalhes as nuances da doença. Os estágios de diagnóstico, as mudanças de estratégia, a importância de cada movimento, a consequência de cada escolha. Foi nesse contexto que decidiu prosseguir com o tratamento em São Paulo. Inicialmente, no Rio de Janeiro, faria oito sessões de quimioterapia venosa. Mas na quinta sessão teve a sepse, e o corpo exigiu rever os planos. “Fui convencida pela minha família a mudar meu tratamento para São Paulo para buscar um direcionamento mais específico”, conta, lembrando que estava em busca de um oncologista focado em câncer colorretal. “Cheguei aqui e me apresentaram outra realidade. A escolha do cirurgião foi decisiva também. Então vou seguir a radioterapia até a cirurgia, e depois entender o desdobramento, porque tudo pode acontecer, inclusive ter que voltar à quimioterapia”, explica.

Para ela, esse “tudo pode acontecer” é profundo e inclui muita coisa. Que vai da cura à iminência do fim. “A morte é um assunto muito tabu, principalmente no Ocidente. Ninguém fala da morte. Mas eu tenho um pai que fala de uma forma natural sobre isso. Temos conversado bastante.” Preta, é claro, é filha do músico Gilberto Gil, um griô contemporâneo – uma figura que, em muitas culturas africanas, é responsável por transmitir o conhecimento entre as gerações. “Depois da septicemia, tivemos uma conversa tão verdadeira, tão bonita, que eu realmente comecei a ver a morte de outro jeito”, ela conta. “É uma realidade que a finitude pode chegar para mim mais rápido. Sempre tive muito medo de morrer, hoje não tenho mais. No fundo, porque sei que a morte não vai chegar agora. Mas estou preparada.”

Preta conta que o pai é uma pessoa que não mede as palavras, é sempre sincero. Ela sente que ele não a poupa nem mesmo durante esta fase frágil e está sempre a provocando a reagir. “De uns anos para cá, aprendi a usufruir da sabedoria do meu pai. Muitas coisas podem parecer assustadoras em um primeiro momento, mas são reveladoras e transformadoras depois.”

De todas as constatações de Preta sobre o momento que vive, a palavra transformação é a mais recorrente. “Eu não romantizo em nenhum momento essa doença, porque ela não tem nada de bom. Mas, dentro das adversidades, das vulnerabilidades, a gente se fortalece e se transforma. Estou recebendo uma enxurrada de amor. Sempre dei muito amor. Agora estou me permitindo receber. E estou vendo tudo isso em vida.”

Outro marcador de mudança que está experimentando é a nova relação que estabeleceu com o tempo. Em agosto, ela completa 49 anos e quer dar uma festa. Muitos amigos querem convencê-la a fazer uma grande comemoração dos 50, como uma festa da cura. Mas Preta, definitivamente, não quer esperar: quer fazer a festa da vida. “Fiz um disco em 2021 que iria lançar e já não quero. Quero fazer outro, porque agora as minhas vontades estão muito ligadas à minha urgência em viver.”

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