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Mortes por câncer devem crescer 75% até 2050; aumento será puxado por países pobres e em desenvolvimento

Dentre os fatores de risco mais relevantes está o tabagismo, responsável por 21% das mortes. (Foto: Reprodução)

O mundo deve enfrentar um aumento expressivo nas mortes por câncer nas próximas décadas. Um estudo publicado na revista científica “The Lancet” projeta que o número anual de óbitos chegue a 18,6 milhões em 2050, um salto de 75% em relação a 2024.

O avanço está diretamente ligado ao crescimento e envelhecimento da população, mas também à falta de políticas de prevenção e tratamento, sobretudo em países de baixa e média renda.

Entre 1990 e 2023, o número de novos diagnósticos de câncer mais que dobrou: passou de 9 milhões para 18,5 milhões. As mortes aumentaram 74%, alcançando 10,4 milhões no ano passado.

Apesar dos avanços em terapias e da queda das taxas ajustadas por idade em alguns países, o volume absoluto continua em alta — e deve atingir 30,5 milhões de novos casos anuais em 2050.

Segundo a pesquisadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais Deborah Malta, uma das autoras do estudo global, o fenômeno é resultado da transição demográfica.

“O aumento é inevitável diante do envelhecimento populacional e da maior expectativa de vida. Ao mesmo tempo em que mortes por doenças cardiovasculares tendem a cair, o câncer se tornará cada vez mais a principal causa de óbito crônico”, explica.

Desigualdades 

Os dados revelam um cenário desigual:

* países ricos conseguiram reduzir em até 30% as taxas de mortalidade padronizadas, devido ao acesso a rastreamento, diagnóstico precoce e terapias modernas;

* países pobres viram as taxas aumentarem, puxadas por diagnósticos tardios e ausência de infraestrutura hospitalar.

“Nos países de baixa e média renda, as dificuldades são de todas as ordens: prevenção insuficiente, diagnóstico tardio e pouco acesso a tratamentos. O Brasil, com o Sistema Único de Saúde (SUS), está em posição mais favorável em comparação a muitos países dessa faixa de renda, uma vez que garante políticas universais de rastreamento e oferta de cirurgia, quimioterapia e radioterapia”, avalia Malta.

Fatores de risco

O estudo calcula que 42% das mortes por câncer em 2023 (4,3 milhões de pessoas) poderiam ter sido evitadas com mudanças de hábitos. Os fatores de risco mais relevantes são:

* tabagismo (responsável por 21% das mortes),
* dieta não saudável,
* alto consumo de álcool,
* obesidade e glicemia elevada,
* poluição do ar e riscos ocupacionais.

Para Deborah Malta, a prioridade deve ser o controle do tabaco.

“Medidas como aumento de impostos, proibição de publicidade, ambientes 100% livres de fumo e campanhas educativas são custo-efetivas e trazem grande impacto. No Brasil, tivemos avanços importantes após 2011, mas ainda precisamos reforçar essas ações”, afirma.

Ela reitera que políticas similares devem ser aplicadas a outros fatores de risco, como a taxação de bebidas alcoólicas, rotulagem frontal em alimentos industrializados e incentivo à atividade física.

“O Brasil já implantou programas relevantes, como a Academia da Saúde e o Guia de Alimentação Saudável, mas ainda enfrentamos desafios com o consumo de ultraprocessados, álcool e obesidade”, completa.

Brasil e América Latina

Na América Latina, a tendência é de aumento consistente de casos, especialmente em países de renda média.

“No Brasil, os cânceres mais comuns são de pulmão, cólon e reto, mama e próstata. Entre os fatores de risco mais preocupantes estão o tabagismo, a dieta rica em ultraprocessados e a glicemia elevada, que se relaciona a vários tipos de tumores”, detalha Malta.

Meta da ONU

Os autores do estudo também alertam para a dificuldade em atingir a meta da Organização das Nações Unidas (ONU) de reduzir em um terço as mortes prematuras por doenças crônicas, incluindo o câncer, até 2030.

“Os maiores declínios ocorreram em doenças cardiovasculares. No caso do câncer, os desafios são enormes e muitos países não devem alcançar a meta”, diz Malta.

Segundo a coordenadora internacional do estudo, Lisa Force, da Universidade de Washington (EUA), “garantir resultados equitativos exigirá ampliar o acesso a diagnóstico preciso, tratamento de qualidade e cuidados de suporte, principalmente nos países com menos recursos”.

Em comentário na The Lancet, os pesquisadores Qingwei Luo e David Smith, da Universidade de Sydney, reforçam:

“Governos precisam priorizar financiamento, fortalecer sistemas de saúde e reduzir desigualdades. O futuro do controle do câncer depende de ações coletivas hoje.”

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