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Muito usado entre jovens, cigarro eletrônico é proibido no Brasil e apresenta riscos à saúde

Especialistas apontam que dispositivos podem levar a complicações cardiovasculares e pulmonares. (Foto: Reprodução)

Nas ruas, portas de escola, bares, tabacarias e festas, eles deixam uma fumaça branca e densa, com cheiro que nada lembra os cigarros comuns. No boca a boca, recebem diversos nomes, vape e pod são os mais comuns.

Com venda proibida no Brasil, especialistas alertam para complicações cardiovasculares e pulmonares dos cigarros eletrônicos. Consumido entre os jovens, podem ser porta de entrada para o tabagismo e colocar em xeque avanços no combate à dependência química da nicotina.

Os dispositivos têm tecnologia simples. Uma bateria permite esquentar o líquido (e-liquid, em inglês) que, em geral, é uma mistura de água, aromatizante alimentar, nicotina, propilenoglicol e glicerina vegetal.

Eles aquecem a nicotina em vez da combustão dos cigarros comuns. Na fumaça do tradicional, há alcatrão, que contém produtos químicos potencialmente cancerígenos, e monóxido de carbono, que aumenta a chance de infarto e dificulta o transporte de oxigênio das células.

O aerossol do dispositivo pode conter substâncias nocivas, alertam os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Destacam, também, que é difícil saber quais substâncias o produto contém. Por vezes, no lugar da nicotina, o aparelho é usado para vaporizar outras drogas, como maconha. Alguns, ditos livres de nicotina, apresentaram a substância em análises.

No Brasil, ainda em 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a importação, comercialização e propaganda dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEF), que além dos cigarros eletrônicos, incluem os produtos de tabaco aquecido. Atualmente, o processo está em trâmite regulatório. Ou seja, há possibilidade de flexibilização.

A taxa de prevalência, segundo especialistas, não é “confortável”. Eles alertam que os jovens são os principais usuários. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) mostrou que, em 2019, 16,8% dos escolares de 13 a 17 anos já haviam experimentado o cigarro eletrônico. Na faixa de 13 a 15 anos, a prevalência foi de 13,6%. Nos de 16 até 17 anos, de 22,7%.

Mesmo com a proibição, o produto está na mão do brasileiro. Mais de 0,6% da população com 15 anos ou mais já utilizou os aparelhos de nicotina líquida ou tabaco aquecido, de acordo com a Pesquisa Nacional da Saúde (PNS) de 2019. A taxa variou bastante entre as unidades federativas. Liderando o ranking estão o Distrito Federal (2,2%), Mato Grosso do Sul (2,1%), Paraná (2,1%), Goiás (1,4%) e São Paulo (1,3%).

Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), estudos que falam sobre o assunto estão incompletos ou são inconclusivos. Especialistas em tratamento do tabagismo não veem sentido no uso terapêutico do aparelho. “O objetivo do tratamento não é fazer a pessoa sair de um aparelho para outro, é se livrar da dependência”, destaca a chefe da coordenação de Prevenção e Vigilância do Instituto Nacional de Câncer (INCA), Liz Almeida.

Efeitos nocivos

Criado no início dos anos 2000, inicialmente desenvolvido fora da indústria do tabaco, foi absorvido por ela por volta de 2015. O discurso das empresas do ramo, principalmente do Japão e Inglaterra, é semelhante ao do vendedor de Pinheiros: um cigarro “limpo” ou de risco reduzido. Também apresentam-no como opção para dependentes de nicotina largarem o vício.

Especialistas, no entanto, alertam que há uma série de riscos associados ao uso do aparelho. Há perigos relacionados à nicotina, e outros específicos da tecnologia. Efeitos a longo-prazo ainda carecem de estudos, por se tratar de uma tecnologia relativamente recente – ainda não completou 20 anos.

Liz aponta que o dispositivo pode ser porta de entrada para o tabagismo, principalmente entre os mais jovens. A chance de um adolescente que experimentou um cigarro eletrônico passar a fumar o tradicional é quatro vezes maior do que aqueles que não, mostrou estudo feito por ela e outros seis pesquisadores.

Com sabor frutado e diversos formatos, alguns simulam batons e “arminhas”, e tamanhos, os dispositivos se tornaram sensação entre os mais novos. Nos Estados Unidos, em 2018, o uso de cigarro eletrônico por adolescentes foi chamado de “epidemia” pelo cirurgião-geral do Serviço de Saúde Pública, Jerome Adams. Em seu alerta, ele destacou que mais de 3,6 milhões de jovens americanos utilizavam o aparelho.

Stella Martins, especialista em dependência química da área de Pneumologia do Programa de Tratamento do Tabagismo do InCor, comenta que os aparelhos de quarta geração, vieram acompanhados do sal de nicotina, que permite consumir mais da substância com facilidade e menos amargor. Um cartucho com esses sais pode conter a mesma quantia de nicotina de uma a até três carteiras do cigarro comum, falam os especialistas.

O impacto da nicotina para um adolescentes é muito pior, destaca Stella. “A nicotina vai agir no lóbulo frontal. Esse lóbulo frontal vai interferir na capacidade de discernir entre o certo e o errado, o bom e o ruim.”

O uso pelos jovens coloca em risco o avanço proporcionado por medidas contra o tabagismo das últimas quatro décadas. “Gerações de adolescentes que nunca botaram um cigarro na boca, porque sabem que faz mal, agora, estão caindo na armadilha do cigarro eletrônico porque tem cheirinho e sabor agradável”, lamenta Stella.

A nicotina também pode causar complicações cardiovasculares, como infarto e agressão de vasos sanguíneos (com possibilidade de amputação de órgãos), por exemplo. Além de problemas relativos à fertilidade humana.

Além disso, o uso dos dispositivos pode ocasionar problemas pulmonares. Entre eles, a lesão pulmonar associada ao uso de cigarros eletrônicos (EVALI, na sigla em inglês). Em 2019, o CDC anunciou que os Estados Unidos enfrentavam um surto da complicação. Até 2020, foram registradas mais de 2.800 hospitalizações e 68 mortes por conta da lesão.

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