Está cada vez mais difícil dormir bem no Brasil. De acordo com a Associação Brasileira do Sono (ABS), 73 milhões de brasileiros sofrem de insônia. Isso é quase metade da população adulta no país. E a pandemia só atrapalhou: entre abril e maio, quando começavam as medidas mais rígidas de isolamento, a palavra “insônia” foi a mais procurada no Google.
A psicóloga especialista em sono Laura Castro, pesquisadora da Unifesp e da Universidade de Harvard, afirma que as pessoas devem ficar atentas quando têm dificuldade para dormir durante vários dias por semana.
“O negócio é que as pessoas acumuladas de coisas no dia a dia, tendem a ir empurrando com a barriga, ou não tem tempo de reorganizar a rotina, aí recorrem a medicações, que “entre aspas” desligam o cérebro e fazem dormir… mas as medicações vão perdendo o efeito depois de um tempo”, afirma Castro.
A especialista em sono fala sobre uso de remédios e mudanças de comportamentos que precisam ser tomadas para quem tem dificuldade de dormir conseguir resolver os problemas noturnos.
1-Quando uma pessoa deve desconfiar de que já precisa de ajuda para tratar a insônia?
A síndrome de insônia que consideramos clinicamente relevante é aquela que acontece vários dias por semana, que se prolonga por mais de um mês, e que traz insatisfação e impacto para o funcionamento de modo geral. Se já está durando há 3 meses, já consideramos uma condição cronificada. O negócio é que as pessoas acumuladas de coisas no dia a dia, tendem a ir empurrando com a barriga, ou não tem tempo de reorganizar a rotina, aí recorrem a medicações, que “desligam o cérebro” e fazem dormir, mas as medicações vão perdendo o efeito depois de um tempo e aí o problema começa a se agravar mesmo para muitos casos. São os depoimentos que mais ouvimos. Várias trocas de medicações, várias tentativas de tratamento iniciadas e uma descrença de que exista uma solução. O que os estudos científicos nos mostram é que quanto antes for abordada a insônia melhor, justamente para que ela não vire um círculo vicioso. E o tratamento de escolha, de primeira linha, é baseado na mudança de comportamentos e na reestruturação cognitiva, as principais diretrizes médicas definem que programas como o do Vigilantes do Sono, baseado na terapia cognitivo-comportamental, são a melhor opção antes de qualquer medicação, mas claro que há casos em que a medicação é necessária.
2-Pessoas que dormiam bem e, de repente, sem motivo aparente em relação a estresse, passam a ter insônia podem ter algum problema orgânico que justifique o problema?
Sim, problemas orgânicos podem desencadear insônia, principalmente alterações hormonais, não à toa a insônia é bastante mais frequente em mulheres do que em homens, pois as mulheres têm variações hormonais mensalmente, fora a avalanche de flutuações hormonais que vem com a maternidade e depois com a menopausa. Acontece que para além das oscilações hormonais biologicamente já esperadas, nossos hábitos modulam muito nosso controle hormonal. O horário em que fazemos nossas refeições impacta diretamente a maioria dos hormônios e pode com o tempo ter um efeito sobre a engrenagem que falei. Não apenas os horários, mas o que comemos também interfere, muda a população de bactérias que vive em nosso intestino, e todos esses mecanismos de controle são também ajustados durante o sono.
3-Quem tem insônia por conta da menopausa tem solução? Isso passa? É temporário?
Tem solução! Às vezes a solução começa com uma ressignificação sobre as expectativas em relação ao sono. O sono muda com o envelhecimento, e é difícil se habituar com a ideia de que aquele sono da juventude, talvez já não mais existirá, mas há uma série de estratégias e ações possíveis que amenizam as fases de transição e de mudança do sono ao longo da vida. O difícil é ter um sistema efetivo e que ajude na escolha do passo a passo e das melhores estratégias e alternativas em cada caso.
4-Quais os maiores prejuízos que a insônia pode causar?
A insônia aumenta a chance de alguém desenvolver depressão. A insônia prejudica a criatividade e o funcionamento mental. Com o tempo ficamos mais pessimistas, vemos menos soluções para os problemas e vamos entrando na circuitaria junto com as alterações biológicas que vão acontecendo: as alterações hormonais, o aumento da pressão arterial, a redução da capacidade de controlar os níveis de açúcar no sangue, de produzir anticorpos contra ataques de vírus e bactérias, etc.
5-Qual é o limite para aceitar tomar medicamentos?
Essa é uma pergunta complexa. O limite é individual e cultural eu diria. Varia a partir da disposição de cada um. Tem pessoas que não gostam e abominam a ideia de precisar de remédios, tem outras que acham que tudo bem e tem mais abertura. O cuidado é sempre saber que os remédios têm limitações, tem efeitos adversos, podem causar dependência física e emocional. Não se deve tomar remédios sem acompanhamento médico.
6-Quem toma remédios para ansiedade/insônia durante muitos anos precisa se conformar em ser escrava dos remédios?
De jeito nenhum! É importante uma avaliação, pois cada caso é um caso. Tem pessoas que precisam da ajuda de remédios para conseguir começar um processo de mudança de comportamentos e de reestruturação cognitiva. Quando você está muito tempo sem dormir direito, é mais difícil de fazer qualquer coisa, ter disposição para começar alguma coisa é o grande desafio para muita gente. O remédio pode facilitar e muito esse processo… o negócio é que na insônia, assim como na ansiedade generalizada, ou mesmo na depressão, se você só toma remédio, o problema raiz muitas vezes continua lá. Tem gente que botando o sono e o pensamento em ordem com a ajuda dos remédios, já consegue resolver outras questões e sanar as causas… mas não é a realidade para a maioria das pessoas. A maioria das pessoas que sofrem com ansiedade e insônia precisam de uma terapia que foque em ressignificar cognições sobre o sono e sobre situações da vida que desencadeiam mais ansiedade ou tristeza. A revolução digital nos traz um novo cenário em que podemos ampliar grandemente o acesso das pessoas e essas formas de terapia.