Em um dos depoimentos mais contundentes na ação penal sobre uma tentativa de golpe no país, o ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior relatou a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) um encontro com o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, em que lhe foi apresentado um documento que, em sua versão, tinha teor golpista. Momentos depois, foi questionado pelo advogado Celso Vilardi, defensor do ex-presidente Jair Bolsonaro: “O senhor leu esse documento?”. A resposta foi negativa.
Com 51 testemunhas já ouvidas, as perguntas feitas pelos advogados — seja para as próprias testemunhas ou para as arroladas por outros alvos e pela acusação — indicaram um esforço para apontar brechas e possíveis erros na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
A defesa de Bolsonaro não contesta que o ex-presidente discutiu a possibilidade de decretar Estado de Sítio ou de Defesa no país, instrumentos que, segundo a acusação, seriam usados para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Vilardi diz, porém, que esses são dispositivos estão previstos na Constituição e que não há elementos que mostrem uma ação concreta que poderia configurar uma tentativa de golpe.
O advogado, por exemplo, questionou o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes se existiu alguma ordem para movimentar tropas ou convocar o Conselho de Defesa, ao qual cabe analisar a decretação de Estado de Defesa ou de Sítio, como foi cogitado por Bolsonaro.
“O senhor chegou, em algum momento, a ser solicitado pelo então presidente da República para alguma movimentação de tropas em uma tentativa de golpe, com a utilização de tropas do Exército?”, perguntou Vilardi, recebendo resposta negativa.
A investigação aponta, contudo, que uma medida efetiva não ocorreu justamente pela recusa de Freire Gomes em apoiar uma ruptura institucional. O general da reserva afirmou ao STF ter avisado Bolsonaro sobre a possibilidade de ele ser “implicado juridicamente” caso seguisse os “aspectos eminentemente jurídicos”.
Tropas à disposição
Os relatos dos ex-comandantes também foram alvo de indagações do advogado Demóstenes Torres, que defende o ex-chefe da Marinha Almir Garnier Santos. Após ouvir os dois depoimentos, Demóstenes questionou, por exemplo, a versão que seu cliente disse ter colocado “tropas à disposição” do ex-presidente.
“Veja bem a incongruência temática. Os senhores discutiam institutos jurídicos. Como é que isso evoluiu para colocar tropas à disposição?”, perguntou o advogado a Baptista Junior.
O brigadeiro sustentou sua versão ao dizer que não ficou sabendo “à toa” que a Marinha tem 14 mil fuzileiros. Já Freire Gomes, ao ser confrontado sobre o mesmo tema, disse ter visto as declarações de Garnier como uma “demonstração de respeito” do ex-chefe da Marinha ao então presidente da República. O general, contudo, confirmou o que havia dito à Polícia Federal, de que apenas ele e Baptista Junior haviam se posicionado de forma contrária às medidas cogitadas por Bolsonaro.
No caso da defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, os advogados tentaram apontar o que consideraram erros da PGR ao denunciar seu cliente. Um dos episódios questionados foi uma reunião na qual, segunda a denúncia, foi apresentado um plano para a realização de blitzes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno das eleições.
Isolamento de Heleno
Em 30 de outubro de 2022, dia do segundo turno das eleições, a PRF fiscalizou dois mil ônibus na região Nordeste e 571 no Sudeste. Essa concentração em rodovias nordestinas levou a Polícia Federal (PF) a apontar a intenção de impedir a circulação de eleitores, sobretudo de Lula.
Outro ponto questionado pela defesa de Torres é uma troca de mensagens entre dois investigados na qual um deles afirma que “o chefe chamou” para uma reunião no 13º andar. Os advogados usaram as perguntas para mostrar que o Ministério da Justiça não tem 13 andares e que, portanto, não estavam se referindo ao então ministro.
Já a defesa do general Augusto Heleno, que chefiou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) nos quatro anos de Bolsonaro, adotou a estratégia de apontar o afastamento de seu cliente dos demais réus da ação. Em vez de contestar provas ou se houve ou não uma tentativa de golpe, eles optaram por tentar demonstrar que Heleno estava isolado dentro do governo e que, por essa razão, não teria como participar dessas articulações.
Ouvidos como testemunhas, quatro ex-subordinados de Heleno reconheceram esse distanciamento. Um deles, o coronel Amilton Coutinho, apontou que isso ocorreu após Bolsonaro se aproximar dos partidos do Centrão. Isso porque, na campanha de 2018, Heleno havia ironizado as legendas, ao cantar: “Se gritar pega Centrão, não fica um”.
Após o fim das audiências com as testemunhas, será marcado o interrogatório dos próprios réus. Novamente, os advogados poderão questionar não só seus próprios clientes, mas também os outros investigados. A PGR e o relator, ministro Alexandre de Moraes, também poderão fazer perguntas para todos. As informações são do portal O Globo.