A decadência do Executivo na relação entre os três Poderes foi a principal marca dos últimos 25 anos. Na virada do século, quando o presidente era Fernando Henrique Cardoso, o governo federal tinha o controle sobre a pauta nacional, ainda que sob permanente pressão do Congresso. O Judiciário tinha participação discreta na cena política. Em 2025, ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dependem de emendas parlamentares para manter a máquina pública e o Supremo Tribunal Federal (STF) medeia a relação entre os outros dois poderes e define balizas da disputa eleitoral.
O enfraquecimento da presidência tem base fiscal. A curva do resultado primário (que exclui gastos com juros) estrutural neste século demonstra isso. Entre 1999 e 2013 o resultado foi positivo ou neutro em todos os anos, chegando a um pico de 3,8% do PIB em 2005. Entre 2014 e 2024, foi negativo em nove anos e positivo apenas em 2018 e 2021. Asfixiado pelo gasto público, o governo federal tem menos margem de manobra para reagir a crises políticas. A presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment em 2016. O presidente Michel Temer não conseguiu viabilizar candidatura à reeleição em 2018. O presidente Jair Bolsonaro não se reelegeu em 2022.
A debilidade fiscal dos presidentes não é de responsabilidade integral deles, mas também foi influenciada por fatores fora de seu controle. O ciclo da primeira década do século foi marcado pelo crescimento da demanda por commodities, puxada pelas importações da China, e beneficiou governantes não só do Brasil, mas de países como Argentina, Colômbia, Irã, Equador e Venezuela. Em todos eles, governos de esquerda conseguiram altíssima aprovação popular e em todos houve turbulência política a partir da segunda década do século.
No Brasil, entre 1999 e 2014, todos os anos foram de crescimento, com a única exceção de 2009, quando houve retração de 0,1%, a famosa “marolinha” mencionada por Lula, então em seu segundo mandato. De 2014 para cá houve recessão em três anos (2015, 2016 e 2020), crescimento em torno de 1% em outros três (2017, 2018 e 2019) e relativa expansão nos últimos quatro anos, com crescimento do PIB acima de 2,9%. A recuperação econômica recente não foi capaz nem de fortalecer o governo nem de alterar a sensação de mal estar social.
O século começou com o presidente Fernando Henrique Cardoso gerindo as consequências de uma crise cambial que levaria o país a recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2002. Em meio a esse ambiente, a base governista no Congresso começou a se desagregar. O então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, bancou a aprovação de um fundo constitucional de combate à pobreza, retirando a iniciativa exclusiva do Executivo no gasto social. O PFL, partido de ACM, se recusou a apoiar a candidatura presidencial de José Serra (PSDB), preferido de FHC, e o PMDB, que junto com o PFL e o PSDB compunha o tripé de sustentação do governo no Legislativo, rachou na sucessão, com parte da sig
FHC não conseguiu controlar a própria sucessão, mas os problemas políticos de então em nenhum momento comprometeram a governabilidade. A transição de 2002 para 2003 foi a mais pacífica da história do País entre dois grupos políticos diferentes.
Ao assumir a presidência em 2003, Lula não deixou de se referir várias vezes ao que chamou de “herança maldita” do antecessor, mas se tratava de um exercício de retórica. Em seu primeiro mandato, Lula manteve o tripé da política macroeconômica (responsabilidade fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante) e sobreviveu sem sequelas às crises políticas decorrentes do escândalo do mensalão, em 2005. A oposição tucana não foi às ruas e nem articulou pelo seu impeachment. Lula se reelegeu sem dificuldades.
O segundo mandato de Lula foi marcado pela aproximação com o PMDB, que ganhou o lugar da vice-presidência na chapa continuísta de Dilma Rousseff em 2010. No auge do seu prestígio popular, Lula abriu espaço no governo para todas as alas do PMDB, inclusive nas funções com bastante interação entre o poder público e o privado, conforme ficou demonstrado nas investigações da Operação Lava-Jato, realizada alguns anos depois.
Dilma Rousseff foi eleita em 2010 na mais ampla aliança já realizada no Brasil. No palanque da ex-prisioneira política no regime militar, havia espaço para o então deputado Eduardo Cunha e o então presidente da Fiesp, Paulo Skaf, entre outras lideranças que posteriormente conspirariam com sucesso pela sua queda. Tornada presidente, Dilma procurou demonstrar independência. Afastou-se do antecessor e das lideranças do Congresso e reformulou a política econômica, aumentando o grau de intervenção estatal.
O poder presidencial começou então a ser minado. O estouro da Operação Lava-Jato, em março de 2014, mostrou ao País as entranhas de um esquema de desvio de recursos públicos em estatais, ao mesmo tempo em que a economia claudicava. O Judiciário, antes desprezado como força política própria, tornou-se a partir da Lava-Jato a pedra angular do poder. Nos anos seguintes, acabaria com o financiamento privado de campanhas políticas, processaria e condenaria a cúpula do PT, inclusive Lula, manteria Michel Temer na presidência e conteria o golpismo de Jair Bolsonaro.