Milhares de mulheres convivem diariamente com dores nas pernas, inchaço persistente e manchas roxas sem receber um diagnóstico claro. Em grande parte dos casos, esses sintomas estão ligados ao lipedema, condição caracterizada pelo acúmulo desproporcional de gordura em braços e pernas, preservando mãos e pés. Além da expansão tecidual, o quadro provoca sensação de peso, sensibilidade aumentada e rigidez.
Um avanço recente no campo da radiologia, publicado neste ano, trouxe critérios inéditos para o diagnóstico por imagem. O estudo identificou padrões específicos do tecido afetado, permitindo que exames como ultrassonografia e ressonância magnética ajudem, de fato, a reconhecer o lipedema. Estima-se que 12,3% das brasileiras tenham a condição, embora a maioria desconheça o problema.
Até então, não havia parâmetros técnicos que orientassem a leitura das imagens, e o diagnóstico se baseava essencialmente nos sintomas clínicos. Por isso, a doença era frequentemente confundida com obesidade, retenção de líquidos ou linfedema, o que atrasava cuidados adequados.
Busca científica
O estudo que definiu os novos critérios foi publicado no Journal of Biomedical Science and Engineering e partiu da análise de 34 pacientes submetidas a ultrassom. A partir de atendimentos recorrentes a mulheres com dor, hematomas espontâneos e aumento de volume nos membros, radiologistas passaram a investigar características comuns que pudessem diferenciar o lipedema de outras condições.
A partir dessa necessidade surgiu o grupo de pesquisa LIPCOR, dedicado a padronizar, validar e difundir o conhecimento sobre a doença. O trabalho está descrito no livro De improvável a Memorável, lançado em novembro.
Quatro estágios
Após dois anos de investigação, a equipe detalhou alterações nas camadas da pele e identificou os chamados “nódulos do lipedema”, descritos pela primeira vez. Biópsias guiadas por ultrassom revelaram áreas de micro-hemorragia e baixa oxigenação, indicando que a doença envolve não só inflamação, mas também prejuízo da microcirculação.
Essas descobertas levaram à criação da Classificação LDHC (Lipedema Dermal & Hypodermal Classification), que divide o lipedema em quatro estágios conforme o grau de comprometimento tecidual. O modelo ajudou a padronizar laudos, orientar condutas e permitir um acompanhamento mais preciso.
O método inclui uma varredura ultrassonográfica padronizada e a calculadora LDHC, ferramenta que organiza os achados e auxilia na elaboração de relatórios estruturados, hoje utilizada por diferentes serviços.
Reconhecimento oficial
O lipedema foi incluído na Classificação Internacional de Doenças (CID-11) com o código EF02.2, cuja adoção global está prevista para 2027. Esse reconhecimento fortalece o valor médico-legal dos laudos e facilita o acesso a tratamentos. No Brasil, foi publicado neste ano o primeiro consenso nacional sobre o tema.
Cuidado integral
Os impactos emocionais, funcionais e sociais do lipedema são significativos. A dor contínua, a limitação de mobilidade e a piora da qualidade de vida são frequentes, especialmente em estágios avançados. O tratamento exige abordagem multidisciplinar, envolvendo fisioterapia, exercícios de baixo impacto, compressão, orientação nutricional e apoio psicológico. A lipoaspiração pode ser indicada em casos específicos, quando há grande comprometimento funcional.
Com uma classificação inédita, metodologia padronizada e ferramentas digitais, a pesquisa brasileira posiciona o país na vanguarda internacional do tema. Para milhões de mulheres, esses avanços representam diagnósticos mais rápidos, tratamentos adequados e um caminho mais claro para o cuidado integral.
