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O aborto só deixa de ser crime no Brasil se não há outro meio de salvar a vida da mãe ou se a mulher deseja interromper uma gestação causada por estupro

O assunto está na pauta de audiências públicas no STF. (Foto: Reprodução)

Sob a condução da ministra Rosa Weber, começaram na sexta-feira passada as audiências públicas no STF (Supremo Tribunal Federal) que ouvirão o Ministério da Saúde e representantes de entidades médicas, religiosas e de organizações não governamentais a respeito da descriminalização do aborto até a décima-segunda semana de gestação.

Em breve, o plenário da Corte Suprema irá julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, interposta pelo PSOL em março de 2017, que trata da questão.

Em que pesem os respeitáveis posicionamentos que aqueles entes (ou qualquer cidadão) possam ter acerca da interrupção voluntária da gestação, em geral visceralmente contrapostos, um fato paira sobre o debate: o STF não é o locus institucional adequado para liderar uma discussão dessa ordem.

Uma vez mais, em uma clara afronta ao texto sagrado do qual deve ser o guardião, a Corte avança sobre a seara do Congresso Nacional.

Nossa Lei Maior não garante a inviolabilidade do direito à vida “extrauterina”. O artigo 5º da Constituição Federal, com clareza diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade”.

Donde se conclui que o termo “vida” contido no mais excelso dos dispositivos constitucionais abraça, pois, os que ainda não nasceram. A inviolabilidade do direito à vida, é bom frisar, é tratada como uma cláusula pétrea da Carta Magna, vale dizer, não pode ser alterada nem mesmo por uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição).

Descendo na hierarquia do direito positivo brasileiro, o Código Civil, em seu artigo 2º, também protege a vida intrauterina ao estabelecer que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Se a vida é um direito inalienável e os direitos do nascituro são resguardados, à luz da atual ordem jurídica a vida do feto é protegida por lei. Qualquer alteração do status jurídico do nascituro há de ser objeto de discussão pela sociedade por meio de seus representantes eleitos para criar e alterar as leis, não por órgãos que têm por função aplicá-las.

De acordo com a lei, hoje o aborto é um crime no Brasil. Só deixa de ser crime em duas situações: se não há outro meio de salvar a vida da mãe (o chamado “aborto necessário”) ou se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. É o que dispõe o artigo 128 do Código Penal.

Uma vez distribuída a ADPF 442 à relatoria de qualquer um dos 11 integrantes da Corte Suprema, cabia ao sorteado negar conhecimento do pedido peremptoriamente para que a questão fosse tratada pelo Poder Legislativo.

Poderes

A separação de Poderes não é um princípio constitucional permeável por onde passam as ideias e convicções das autoridades públicas que, ao sabor do ativismo de cada uma, levam temas de suma importância para a vida nacional para um lado ou para outro. Em alguns casos, ao contrário, não levam a lugar algum, deixando temas “sub judice” indefinidamente.

Aqui não vai qualquer julgamento de ordem moral sobre a prática abortiva voluntária. Trata-se tão somente de uma resoluta defesa da Constituição, das leis, da democracia e dos valores republicanos sobre os quais se erige o Estado brasileiro.

Descriminalizar o aborto no País implica considerar eventuais alterações no que hoje está disposto no Código Civil, no Código Penal e, mais importante, na Constituição. Qualquer alteração em um destes textos legais é uma prerrogativa exclusiva do Poder Legislativo.

Os 11 membros do Supremo não têm o direito de fazê-la: se o Supremo se arrogar uma competência que lhe é claramente vedada pela Constituição e pelas leis, poderá fazer qualquer coisa, como se fosse um tribunal de república bananeira.

O Legislativo tem sido acusado de omissão em relação a alguns temas. Se a sociedade crê que o aborto seja um destes temas, cabe aos cidadãos exercer pressão para que seus representantes no Congresso se posicionem sobre a questão. Isto, sim, é democrático, não a ocupação de uma eventual lacuna de um Poder por outro.

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