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O acerto costurado entre o Congresso Nacional e o Supremo prevê um novo tipo de crime: o de atos contra o Estado democrático de Direito influenciados por multidão

O objetivo dessa articulação é reduzir a pressão pela aprovação de uma anistia ampla. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A negociação envolvendo Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) para reduzir as penas de condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023 já tem pronta a minuta de uma proposta que prevê uma alteração na lei para aplicar penas mais baixas para aqueles que estiveram presentes nos atos, mas não tiveram papel de planejamento ou financiamento.

Essa versão inicial do texto foi elaborada pela equipe de consultoria legislativa subordinada ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). A expectativa de parte dos políticos que discutem esse plano é que a proposta seja apresentada já nos próximos dias e possa ir a votação durante o mês de maio.

O objetivo dessa articulação é reduzir a pressão pela aprovação de uma anistia ampla, que anule as condenações e possa se estender também àqueles acusados de comandar uma tentativa de golpe de Estado, incluindo Jair Bolsonaro (PL).

Pelo texto em discussão, o ex-presidente e outros acusados de articular a tentativa de golpe não seriam favorecidos pelas principais mudanças na lei, de acordo com relato de um parlamentar.

A proposta que está em discussão neste momento no gabinete de Alcolumbre prevê três mudanças na chamada Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito.

A principal alteração cria um novo tipo penal para punir aqueles que praticam atos considerados contra o Estado democrático de Direito, influenciados por uma multidão. Seria o caso daqueles que estiveram presentes nos ataques de 8 de janeiro. Eles ainda seriam punidos normalmente, no entanto, por outros crimes como depredação, o que tem aumentado o tempo total de condenação.

A depender das circunstâncias do envolvimento de cada indivíduo, esse novo crime substituiria condenações por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. Combinados, esses dois crimes levam a penas de 8 a 20 anos de prisão.

No estágio atual das discussões, o novo tipo penal teria sua punição numa faixa de dois a seis anos de prisão. Como a alteração da lei seria favorável aos acusados, ela retroagiria para beneficiar quem já praticou os crimes.

Alçada a símbolo do bolsonarismo na ofensiva pela anistia, a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos foi condenada a 14 anos de prisão pela Primeira Turma do STF. A condenação aponta cinco crimes, com as maiores penas para golpe de Estado (5 anos) e abolição violenta do Estado democrático de Direito (4 anos e 6 meses).

Caso a lei seja alterada nos moldes sugeridos por Alcolumbre, a pena de Débora poderia ser reduzida em mais de 5 anos — e, como consequência, ela já teria direito à progressão da pena para o regime semiaberto.

De acordo com os participantes das negociações, a mudança na lei teria como efeito uma aceleração na progressão de condenados para o regime semiaberto e na soltura de muitos dos que foram presos desde os ataques em 2023.

Políticos e alguns ministros do STF acreditam que essas consequências seriam suficientes para reduzir cobranças e enterrar de vez a proposta de anistia ampla. Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso participam das discussões pelo lado do Supremo.

Há, porém, resistência do lado do tribunal de que a possível mudança na lei seja interpretada como resultado de um acordo entre os Poderes. Na avaliação de um ministro ouvido pela Folha, o Supremo só aplicou a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, aprovada pelo Congresso em 2021. Para ele, eventuais mudanças nos tipos penais seriam o reconhecimento de que o Legislativo pesou a mão na dosimetria.

O governo indica apoio à proposta, como apontou o líder de Lula (PT) no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). O PL de Jair Bolsonaro seria o principal obstáculo, por defender a anistia ampla, mas partidos do Centrão mostraram disposição para isolar a sigla do ex-presidente. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.

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