As revelações da Odebrecht sobre pagamento de suborno em diversos países da América Latina, que levaram à prisão o vice-presidente do Equador, Jorge Glas, e arrastaram o presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, para um processo de impeachment, correm o risco de passar em branco na Argentina. O acordo de leniência da empreiteira brasileira, que se dispõe a devolver, neste momento, US$ 35 milhões ao país vizinho, referentes a propina a agentes públicos portenhos, está travado. E as autoridades brasileiras já informaram que não haverá colaboração enquanto a Argentina não estabelecer regras claras que protejam delatores brasileiros.
Falta na Argentina um arcabouço de leis, civis e penais, capaz de dar sustentação ao turbilhão de denúncias que abarcam negócios fechados durante, pelo menos, oito anos (2007 a 2015) no governo da ex-presidente Cristina Kirchner — e que podem servir de estopim para investigações capazes de resvalar em integrantes do governo de Mauricio Macri.
Ainda que lentas, as conversas só avançam na esfera civil, onde o que está em jogo é o ressarcimento do prejuízo ao Tesouro argentino. Ainda assim, emperram nas garantias aos delatores brasileiros. No Brasil, os colaboradores negociam de antemão o benefício da delação. Na Argentina, a Lei do Arrependido não assegura aos colaboradores da Justiça que o acordo fechado por eles no Brasil seja integralmente cumprido, e não permite a negociação do perdão, como ocorre aqui. A lei argentina só passou a reconhecer colaboradores em investigações sobre corrupção em 2016. Antes, o arrependimento só era possível para crimes de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
Autoridades brasileiras disseram que a Argentina não receberá as provas entregues pelos delatores da Odebrecht, se insistirem em ignorar os termos já acordados no Brasil, e também nos Estados Unidos e na Suíça. Para contornar a deficiência da legislação local, a solução apontada pelo Brasil é fazer valer os acordos internacionais anticorrupção, dos quais os dois países são signatários.
De acordo com a delação, a Odebrecht pagou propina na Argentina em obras orçadas em US$ 4,2 bilhões para a construção de um gasoduto, da Ferrovia Sarmiento, que liga a capital ao Oeste da Grande Buenos Aires, e do projeto Água Potável Paraná de las Palmas, de tratamento de água para consumo humano, na capital.
Embora boa parte do acordo esteja em segredo de Justiça, pelo menos dois delatores da empresa, o ex-vice presidente para a América Latina Jorge Mameri e o executivo Márcio Faria, revelaram pagamentos de propina a agentes públicos no país vizinho.
A história das obras é semelhante aos casos brasileiros marcados pelo atraso e pela corrupção. O contrato da ferrovia foi assinado em 2008, mas as obras só começaram a sair do papel no ano passado, quase uma década depois. Nesse projeto, delatores da Odebrecht revelaram pagamentos de propinas a pessoas ligadas ao ex-ministro do Planejamento Júlio de Vido, que ocupou o cargo nos governos dos ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007-2015).
Em agosto, a delação de Mameri apontava que funcionários do Ministério do Planejamento e da estatal Água e Saneamento Argentino receberam US$ 14 milhões para que a Odebrecht ganhasse a licitação de Las Palmas. Foram pagos a Raul Biancuso, da estatal, US$ 6,6 milhões. Depois, mais US$ 6,45 milhões a um funcionário do Ministério do Planejamento.